A questão indígena, no Brasil, nos últimos 30 anos, particularmente a partir da criação do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), em 1972, ganhou uma conotação claramente ideológica, como se toda a história brasileira devesse ser varrida do mapa. Com efeito, nossa tradição se caracteriza pela aculturação indígena e pela miscigenação racial. Podese, perfeitamente, argumentar que essa política de integração não foi bem conduzida seja pelo Estado, seja pela Igreja, que, em muitos momentos, expropriaram os indígenas de suas terras ou os obrigaram a adotar outra crença religiosa. No entanto, a identidade nacional foi se configurando desta maneira, propiciando que criássemos um país em que as formas mais extremas de racismo não encontraram guarida. Logo, devemos olhar com extrema precaução políticas indigenistas que propugnam pela pureza racial e pelo isolamento. Alguns as apresentam como sendo uma grande novidade “científica”, outros podem situá-las numa reprodução da política nazista, tal como foi formulada por um antropólogo da época, Walther Schoenichen. Políticas de pureza racial podem ser politicamente perigosas, ademais de contrariarem toda a nossa história.
Para um observador desatento, poderia parecer que a dívida brasileira com os indígenas seja, digamos, uma dívida fundiária, que deveria se traduzir por mais terras, considerando que as concedidas seriam insuficientes.
Ora, uma análise dos dados mostra uma realidade muito diferente. Entre terras demarcadas e homologadas, o Brasil tem em torno de 120 milhões de hectares para uma população entre 350 mil e 450 mil pessoas, segundo diferentes fontes utilizadas (Cimi, Funai, ISA). Não há censo demográfico indígena.
Ou seja, cerca de 14% do território nacional estariam destinados para em torno de 0,25% da população nacional. E parece esse processo não ter limites, com novas identificações e demarcações em curso em Mato Grosso do Sul, Bahia e Rio Grande do Sul (Morro da Formiga).
Contudo, a condição indígena não melhorou. Há, portanto, algo de muito errado nesta política indigenista, absolutamente centrada na questão fundiária e no isolamento cultural. Notícias se avolumam no que diz respeito às condições precárias de saúde, sanitárias e de educação, para não dizer de moradia e trabalho. Ora, o problema reside em que tais questões são questões essencialmente sociais de tribos em processo de aculturação e, inclusive, de miscigenação racial. O curioso é que as vozes indígenas não são ouvidas. Em vez disto, temos sempre as vozes do Conselho Indigenista Missionário, Funai e ONGs nacionais e internacionais, que falam em nome dos índios, tentando encaixá-los em suas políticas isolacionistas e contra a integração cultural, em alguns casos contra a soberania nacional.
Se observarmos a maior parte desta exígua população indígena, constataremos que sua preocupação básica reside nas condições da aculturação e de integração à sociedade civilizada.
Eles se encontram em processo de aculturação, frequentemente numa aculturação mal conduzida, com péssimas condições sanitárias, ausência de moradia, condições de moradia insuficientes e educação precária que impede a sua assimilação ao processo de trabalho. São, muitas vezes também, vítimas de preconceitos.
A questão indígena brasileira é uma questão essencialmente social, e não fundiária. Ela deveria dizer respeito à melhoria das condições de aculturação e, igualmente, a melhores condições de miscigenação racial (sem preconceitos), o que passa por uma nova política indigenista, que deveria ser mais propriamente denominada de “política social indigenista”. Ela concerne à educação, à saúde e à moradia dignas. Se perguntarmos aos índios o que querem, o mais provável é que respondam por uma vida boa como a do civilizado. Os indígenas querem educação, tratores, televisão, celulares, rádios, vestimentas, comida variada, e não o desprezo ao qual são frequentemente relegados. Eles não querem voltar a uma vida pré-civilizatória, a julgar que isto fosse ainda possível.
O Estado deveria intervir com uma educação de qualidade, que permitisse ao mesmo tempo a conservação dos seus costumes e crenças e a integração ao mercado de trabalho. O Estado deveria oferecer uma boa política de saúde, e não a corrupção que é oferecida pela Funasa. Onde estão os recursos que deveriam estar destinados à saúde indígena? Para onde estão sendo desviados? Quem são os beneficiários? O Estado deveria ter uma política habitacional em relação a eles e não abandonálos à própria sorte, uma vez um território homologado. O problema é que o próprio governo não tem clareza nesta questão e a opinião pública é muito mal informada e formada a respeito. Eis por que tudo se torna um problema fundiário, com evidentes prejuízos para a agricultura brasileira, gerando um clima de insegurança jurídica.
Deve-se igualmente evitar um outro escolho, o da identificação entre política indígena e política ambiental. Alguns procuram identificar ambas, em um completo arrepio aos fatos, com os problemas sociais daí decorrentes.
O Supremo, quando do julgamento da Raposa Serra do Sol, separou-as perfeitamente, mostrando que a preservação da natureza, a sustentabilidade, não é uma prerrogativa indígena.
Em muitos casos, como no Pará, há tribos que destroem a natureza, como os cintas-largas, que exercem o garimpo.
Convém distinguir perfeitamente a preservação da natureza e a formação de territórios indígenas.
No entanto, a ideologia dos movimentos sociais, sustentada pela Funai e pelo Cimi, procura colocar a questão ambiental dentro de seus projetos políticos de constituição de territórios indígenas, como o que está em curso de criação de uma nação guarani. O território pretendido — que não está incluído nos 120 milhões de hectares mencionados — se estenderia de Mato Grosso do Sul ao Rio Grande do Sul, passando pelos estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio de Janeiro e Espírito Santo. A rigor, faltaria índio para tanta terra. A ideologia, porém, impede ver a realidade.
|