Washington gasta um Chile inteiro para salvar uma empresa.
Uma empresa? "O sistema financeiro mundial", diz Bernanke
André Petry, de Nova York
Mark Lennihan/AP |
UM SEGREDO O Congresso quer a lista dos clientes da AIG salvos pelos cofres públicos: "Vamos descobrir" |
A AIG, o gigante da área de seguros, foi fundada em Xangai em 1919 por um americano veterano da I Guerra Mundial que não tinha mais que uns trocados no bolso. Na semana passada, a empresa anunciou um prejuízo de 61,7 bilhões de dólares, produzido apenas nos últimos três meses do ano passado. É a maior perda trimestral da história dos Estados Unidos (veja o quadro abaixo). Para salvar a seguradora, o governo americano injetou nela 30 bilhões de dólares. É a quarta vez em cinco meses que o governo acode a empresa. Somando-se as operações de socorro, a conta fica em 180 bilhões de dólares. Repetindo: 180 bilhões, mais que o PIB do Chile. Vale a pena torrar um Chile para manter uma empresa de pé? O governo americano acha que sim. Teme que a falência da AIG seja "devastadora para a estabilidade do sistema financeiro mundial", nas palavras de Ben Bernanke, presidente do Fed, o banco central americano, em depoimento ao Congresso na semana passada.
A AIG pintou e bordou durante o período que parecia de expansão permanente dos preços no mercado imobiliário. Como era considerada uma seguradora de primeira classe, a AIG tinha a nota mais alta das agências de classificação, um triplo A, o que significava que o risco de não conseguir honrar suas dívidas beirava zero. A AIG aproveitava seu status de solidez de caixa para abençoar com sua classificação AAA o papelório lastreado em hipotecas ZZZ. Eram papéis podres, como se sabe hoje, mas a bênção da AIG fazia-os parecer mais puros que hóstia. Para aspergir sua água benta no papelório pecaminoso, a seguradora cobrava muito dinheiro. Ganhou muito. Usando uma brecha na legislação, a AIG não fez sequer reserva financeira para o caso de ter de bancar os papéis vagabundos que ela avalizava. Quando os preços imobiliários começaram a cair e esses papéis passaram a derreter, a AIG não teve o caixa necessário para bancar todos os seus avais. A AIG não veio abaixo porque o governo americano decidiu que ela se encontra na categoria "grande demais para quebrar". Se ruir, leva junto bancos (sobretudo europeus) e fundos de pensão. "Em termos de riscos, os bancos europeus foram simplesmente os piores de todos", diz Frank Partnoy, professor de direito e especialista em derivativos da Universidade de San Diego, na Califórnia.
Ninguém duvida que a AIG, com múltiplas conexões mundo afora, é grande demais para falir. Mas há um desconforto no Congresso americano quanto ao silêncio sobre a identidade dos clientes da empresa – já que parte dos bilhões desembolsados pelo governo americano nem pousou no caixa da AIG, voando direto para o bolso de seus clientes e livrando-os de potenciais perdas. Indagado sobre quem são eles, Bernanke não deu nome aos bois. "Nós vamos descobrir", diz o senador Richard Shelby, republicano do Alabama. "O Fed pode fazer segredo por um tempo, mas não para sempre." A velocidade com que o dinheiro do contribuinte vem sendo gasto, somada à falta de transparência de várias operações, está jogando lenha na fogueira de uma solução mais radical: a estatização. Cresce o coro dos que defendem a tese de que o presidente Barack Obama, em vez de ficar reeditando socorros bilionários, simplesmente estatize as empresas – os bancos, principalmente.
Na alça de mira, estão Citigroup e Bank of America, os maiores bancos do país, que, juntos, já receberam 100 bilhões de dólares do governo e, no entanto, não conseguiram voltar a fazer o que os bancos fazem: emprestar dinheiro a juros e lucrar com isso. A estatização – a nacionalização, como preferem chamar os americanos – seria temporária, naturalmente. O governo tomaria o controle, sanearia as empresas e as venderia à iniciativa privada. Na década de 80, o governo estatizou o então sétimo maior banco do país, ameaçado de falir. Saneado, ele foi vendido dez anos depois. A estatização tem apoio até entre ardorosos defensores do livre mercado. "É o que se faz uma vez a cada 100 anos", resignou-se Alan Greenspan, que presidiu o Fed por dezoito anos. James Baker, secretário do Tesouro de Ronald Reagan, ícone do conservadorismo americano, disse detestar a ideia, mas acha que não tem outro jeito: "Talvez não haja outra saída". A Casa Branca nega que a estatização esteja em estudo. Pode ser verdade, mas só o debate sobre ela dá uma medida da magnitude da crise.