Posso não torcer pela Seleção?- por Rodrigo Bueno
Política

Posso não torcer pela Seleção?- por Rodrigo Bueno




O jornalista Rodrigo Bueno, do Fox Sports, escreveu uma bela postagem em seu blog hoje. Irei reproduzir aqui, pois retrata tudo o que eu penso. A seleção dos meus sonhos sempre será a de 82. Na última Copa, já torci pela Holanda e pelo Uruguai. E tudo indica que vou repetir a dose na próxima. 

"Vamos direto ao ponto: eu posso até ficar tentado em algum momento sim, mas eu não quero torcer pela Seleção na Copa em 2014. E não vou! Primeiro porque desde 1988 passei a torcer pela Holanda. Foi uma paixão de adolescência que foi ganhando corpo e virando amor de verdade, não consigo mais me afastar da Laranja Mecânica, ela faz parte de mim, sem ela eu não sou. E a sedutora Holanda foi sim uma busca por uma alternativa para um futebol mais artístico, vistoso, revolucionário, lúdico. Eu estava órfão sim da Seleção Brasileira de Telê Santana, a única equipe que me fez até hoje chorar.
Em segundo lugar e muito mais importante agora, eu não fiquei satisfeito com a cúpula da CBF, seu discurso e suas escolhas. O passado de José Maria Marin é triste e condena, quase todos sabem que ele, como deputado estadual pela ARENA, fazia discursos ácidos contra a esquerda no auge da ditadura militar (Vladimir Herzog foi só um dos que sofreram por conta desse tipo de discurso). Na coletiva da posse de Felipão e Parreira, Marin lembrou em alguns momentos um discurso deveras nacionalista, ufanista, extremo contra os que supostamente não valorizam devidamente o que é “nosso”, o que é do Brasil, os brasileiros em geral.
Eu amo ser brasileiro, tenho o maior orgulho do meu país, mesmo pagando altos impostos há anos e não recebendo quase nada de importante, como educação e saúde de qualidade para meus filhos, em troca. Se me revoltasse, algo que os brasileiros historicamente pouco fazem, talvez já tivesse me mudado para um país mais generoso, que tributa menos o seu povo. Mas amo viver aqui e exercitar minha brasilidade. Torço por tudo pelo Brasil, menos para a Seleção Brasileira de futebol quando ela está nas mãos de pessoas com as quais eu não me identifico em nada. Foi assim durante décadas com Ricardo Teixeira, e é agora com a dupla formada por Marin e Marco Polo Del Nero, cartola que sabe atuar nos bastidores para ascender na Federação Paulista, na CBF, na Conmebol e na Fifa sem ter muitos méritos e sendo alvo de investigações da Polícia Federal.
Eu não me sinto um traidor da pátria por torcer pela Holanda e acho que não mereço nenhum tipo de tortura ou ameaça por isso. Felipão mesmo, numa coletiva no ano passado, citou minha paixão pela Holanda quando me ameaçou. E mal sabe ele que uma rara exceção que abri para torcer pela Seleção foi em 2002 na Copa que ele venceu. A Holanda não estava lá, ok, mas eu não aguentava mais jornalistas estrangeiros humilharem e gozarem o Brasil porque a equipe nacional não estava jogando nada, não estava entre as favoritas.
SIMPLESMENTE QUERIA QUE GUARDIOLA PUDESSE ASSUMIR A SELEÇÃO E RESGATAR EM TODO O FUTEBOL BRASILEIRO A QUALIDADE DO JOGO
Não é por causa dessa ameaça de Felipão a mim que não torcerei pelo time dele (meu problema maior sempre foi mais com o assessor de imprensa dele, um profissional que mais afasta o cliente da imprensa do que o aproxima). Eu admito a alegria e o orgulho do meu pai, um torcedor fanático da Seleção, coisa difícil de se ver na minha geração. Eu simplesmente queria, como romântico que sou e como amante do bom futebol, que Guardiola pudesse assumir a Seleção e resgatar não só nela mas em todo o futebol brasileiro a qualidade do jogo, a busca por um estilo mais brasileiro, mais holandês, como é o do Barcelona desde Rinus Michels e Cruyff. Com Marin é que não haveria mesmo uma renovação, nada seria oxigenado no futebol brasileiro, muito ao contrário.
A escolha por Felipão e Parreira simboliza a opção pelo futebol de resultado, tudo o que eu não queria, como jornalista (seria muito mais legal e leve cobrir o time com Guardiola), como um cara que curte futebol lúdico (o que Guardiola tem de melhor é chegar para seus jogadores antes das partidas e dizer “desfrutem”) e como brasileiro (a identidade nacional passa por uma equipe que orgulhe seu país e retrate seu espírito alegre, despojado e artístico em campo). Se falei da minha relação conflituosa com Felipão (nem contei que fui a Portugal pela “Folha de S. Paulo” mostrar o bem que ele fez unindo o povo em torno da seleção na Euro-2004 e que, após o assessor dele me negar uma mísera frase dele para o jornal como um “castigo”, torci sim para a Grécia naquela final, sem acreditar que era possível aquele ótimo time luso dar vexame em casa e cair de novo diante do tosco, defensivo e previsível selecionado grego), sempre fui um bom amigo de Parreira (Carlos Alberto, não “Antonio” ou “Parreiras”, como disse na coletiva Marin, um dirigente do tempo dos telegramas).
Parreira é um homem cheio de virtudes, assim como Felipão, só que é polido, bem-educado, um estudioso, um teórico da bola, um amante da história do futebol, um cidadão do mundo, nada provinciano. Mesmo sendo muito mais refinado que Luiz Felipe Scolari, ele conseguiu também unir o povo em torno da Seleção em alguns momentos, como fez com a África do Sul em 2010 na Copa do Mundo. Acho bacana conseguir essa ligação entre povo e seleção, só que eu preferia mesmo que isso acontecesse como em 1982, época em que o cheiro da democracia começava a tomar conta do país e época em que uma seleção deliciosa encantava qualquer garoto como eu ou mesmo qualquer senhor que tenha visto as lendárias seleções de 1958, 1962 e 1970.
Faz tempo que não discuto futebol com Parreira, durante meses preparei colunas dele na “Folha de S. Paulo” e cheguei a fazer, como jornalista, o breve curso da CBF no qual ele era professor. Não sei o quanto ele está atualizado, só sei que ele está motivado como sempre a participar de mais uma Copa do Mundo. Mas em 2006 ele foi uma negação, em vários sentidos. Motivação não faltará ao Brasil em 2014, e creio sim que na hora H a imensa maioria do povo, como pediu Marin, abraçará a Seleção (foi assim em 1970 quando a Seleção ganhou o tri, com Parreira como preparador físico e com a ditadura como pano de fundo). Eu não abraçarei, peço perdão por essa minha fraqueza. É contra os meus princípios, embora eu ficarei sim feliz vendo milhões de conterrâneos e muitos que estarão ao meu lado felizes.
Resmumindo: eu amo o Brasil demais, mesmo com todos os problemas e erros. Mas não posso me permitir agora torcer e abraçar esta seleção. Hup! Hup! Holland!"



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