Política
Prêmios da semana Roberto Pompeu de Toledo
Veja - 08/08/2011
O troféu Resistência da semana vai para o presidente do Santos Futebol Clube, Luis Alvaro de Oliveira Ribeiro. Não. Nome mais nobre, e mais à altura do feito, é troféu Andrada, do nome do Patriarca da Independência, José Bonifácio de Andrada e Silva. José Bonifácio nasceu em Santos como Luis Alvaro, mas isso é apenas uma coincidência. O que o faz merecer o troféu foi o gesto de recusar os 45 milhões de euros que o Real Madrid se dispôs a pagar para levar Neymar, o craque dos craques do momento. Luis Alvaro emitiu assim o mais significativo grito até agora ousado contra os grilhões coloniais que aprisionam o futebol brasileiro à condição de fornecedor de matéria-prima para os mercados europeus. Equivaleu a um Independência ou Morte.
Até quando?, pergunta-se. Ainda se trabalha com a perspectiva fatalista de que mais dia, menos dia Neymar se vai. Luis Alvaro o garante pelo menos até o fim do ano, quando o Santos disputará o Mundial de Clubes, mas já acena com a permanência do craque ao longo de 2012, quando o clube festeja o centenário. Nessa toada, pode inventar outro motivo para tê-la em 2013, quem sabe em 2014, e por que não até 2030? De concreto, o que armou para manter a estrela foi, primeiro, uma administração eficiente, que mantém as contas do clube em dia e, segundo, um plano de carreira que, somando salário, prêmios e rendimentos de publicidade, não deixam Neymar tão longe dos vencimentos que teria na Europa.
De abstrato, Luis Alvaro teve a inspirada ideia de trazer à mesa o conceito de felicidade. "O Real Madrid está mal-acostumado. Dinheiro não compra tudo. Neymar está feliz aqui", argumenta. Poderia ir além, e invocar também os males conjugados da crise econômica e do surto de racismo que assolam a Europa. A Espanha é das mais fortes candidatas ao colapso, entre as economias europeias à beira da pane. A Itália é outra. A raiva contra o imigrante transborda, nos estádios, em gestos que imitam macacos e bananas que são atiradas aos jogadores de pele escura. O grito de independência de Luis Alvaro vem na hora cena, e tem alcance que vai além do futebol. É humilhante para a pátria, e não apenas a de chuteiras, quando a opção inevitável de alguns de seus filhos mais queridos é o exílio.
O troféu Dissimulação da semana vai para (quem mais poderia ser?) este De Gaulle dos pampas que se dissimula sob o nome de Nelson Jobim. Jobim é De Gaulle duplamente: pelo físico, que se recortado de perfil se ajusta à perfeição ao do grande francês, e pela altaneria com que se faz de habitante de superiores esferas, inatingíveis pelo comum das pessoas. A essas qualidades, no episódio que se arrastou pelas última semanas, acrescentou o de artista da dissimulação. Um dos pontos altos de sua performance consistiu na declaração de que votara em Serra, não em Dilma, na eleição presidencial. Por que essa abertura de voto, a esta altura? "Porque sou transparente. Não sou dissimulado", disse. Modéstia. Claro que é. Logo ele se fazendo de modesto.
O artista da dissimulação mostrou-se em sua inteireza no programa Roda Viva da última segunda-feira. Foi o show de um Jobim mais Jobim do que nunca. Não dialogava com o interlocutor. Fazia o favor de dirigir-lhe a palavra. Corrigia-o, antes de iniciar a resposta. "São duas coisas distintas", advertia. Ou então: "Vamos voltar no tempo". E quanta erudição, santo Deus! Kant e o imperativo categórico, idealismo "no sentido filosófico da palavra", Jorge Luis Borges, Wittgenstein, sim senhor, até Wittgenstein! "E aí, quem vai encarar?", era o desafio implícito aos entrevistadores. Seguiam-se longos exercícios de lógica, ou suposta lógica, misturados a retrospectos históricos, a trilhar por tantas e tais veredas que ao final eis-nos, aos entrevistadores e espectadores, no meio da selva escura. Onde estamos? Como fomos chegar até aqui? Claro que a resposta se perdera no meio do caminho. Ou melhor: não houvera resposta. O palavrório fazia parte de um refinado exercício de dissimulação. Nelson Jobim estava insatisfeito com a presidente Dilma porque não o tratava como Nelson Jobim. Na homenagem aos 80 anos do presidente Fernando Henrique Cardoso, ele elogiou-o por nunca levantar a voz. Ficou no ar a suspeita de que Dilma levantara a voz com ele. Que acha de Dilma?, perguntaram-lhe, no Roda Viva. "A presidente Dilma é extraordinária. Tem uma grande visão de estado, e uma visão de futuro. Minha relação com ela é ótima." Dissimulação, teu nome é Jobim.
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