O GLOBO - 07/12
Enfim, um trabalho acadêmico que desafia o pensamento majoritário na literatura internacional das ciências políticas, contra uma visão pessimista desta combinação institucional que o Brasil tem de presidencialismo de coalizão. São ideias heterodoxas, mas põem em discussão pontos importantes de nosso sistema político-eleitoral.
A favor da fragmentação partidária como sendo um sistema inclusivo e democrático, por enquanto em inglês, editado pela Palgrave/ Macmillan, o livro "Making Brazil work -Checking the president in a multiparty system" será lançado, no dia 18, num debate na Fundação Getulio Vargas no Rio, com a participação dos cientistas políticos Sérgio Abranches e Simon Schwartzman e do economista Samuel Pessoa.
Os autores, Marcus André Melo, professor de Ciência Política na Universidade Federal de Pernambuco, e Carlos Pereira, professor de Políticas Públicas na Fundação Getulio Vargas no Rio, pretendem travar uma discussão mais ampla, partindo do estudo do caso do Brasil, desse presidencialismo com fragmentação partidária que consideram ser um fenômeno das democracias modernas no mundo.
Eles pretendem desmistificar a interpretação dominante de que esse sistema é muito custoso e ineficiente, não gera estabilidade democrática, e sim corrupção e até mesmo impasses com o Legislativo que podem pôr em risco a democracia. "Achamos que quem pensa assim está errado", diz Pereira, reafirmando que há poucas experiências no mundo de presidencialismo bipartidário, sendo uma das exceções os Estados Unidos.
Para os autores, o presidencialismo multipartidário é um fenômeno das novas democracias, e esse modelo tem gerado estabilidade democrática e capacidade de governo. Presidentes mesmo eleitos de forma minoritária têm conseguido construir e sustentar maiorias ao longo de seu governo. E, quando utilizam bem as ferramentas de governo, têm conseguido enfrentar os embates com o Legislativo e perder poucas votações.
O grande fantasma da interpretação dominante é que esse presidente viraria um refém do Congresso, comenta Pereira, e por isso a ideia de forjar um presidente forte com instrumentos de governo para até mesmo, se necessário, ultrapassar o Legislativo se configurou como predominante dos presidencialismos a partir da década de 1980 no mundo inteiro.
Para os autores, a grande diferença é se isso se dá de forma legítima, como no Brasil, onde uma maioria legislativa optou por delegar esses poderes ao presidente, ou se ocorreu como na Venezuela e em outros países, onde o presidente superou e solapou a autoridade do Legislativo.
Outra diferença fundamental no Brasil, dizem eles, é que, aliada a um presidente forte, a nossa Constituição também configurou mecanismos de controle muito robustos. Não temos mecanismos do parlamentarismo que permitem descartar um presidente incompetente, mas temos um Judiciário muito forte, um Ministério Público incrivelmente independente, uma mídia muito competitiva, independente e fiscalizadora, uma Polícia Federal efetiva e um Tribunal de Contas muito ativo. "Esse é um emaranhado de estrutura de controle que tem a capacidade de dizer 'não' para esse presidente poderoso", ressaltam eles.
O trabalho defende a tese de que a fragmentação traz em si um componente endógeno quase que natural de fiscalização, porque, como o partido do presidente não tem maioria, vai ter de montar maiorias heterogêneas e fragmentadas. "Isso torna o jogo muito mais fiscalizado, mais transparente e com restrições".
Para Pereira, o papel do PMDB é fundamental nesse equilíbrio. O PMDB tem sido o voto mediano da coalizão, e sua tradição democrática tanto impediu alternativas à extrema direita - Tancredo contra Maluf no Colégio Eleitoral em 1985; e foi dos primeiros partidos a sair da coligação no governo Collor - como também a alternativa da esquerda fora da democracia. "Eles sabem que esse papel de fiel da balança será exercido até o ponto em que não sejam ameaçadores para os outros partidos que polarizam a disputa pela Presidência no Brasil, o PT e o PSDB", observa Pereira. Os autores não veem o fisiologismo como ameaça à democracia nesse sistema de presidencialismo fragmentado.
No livro, eles avaliam que não existe sistema político ideal, e cada sociedade determina qual o melhor sistema para ela. A nossa tradição seria a fragmentação, a única fórmula de se contrapor a um Executivo tirânico, posição consolidada no DNA do sistema político brasileiro. (Amanhã, o desvio do mensalão)
A favor da fragmentação partidária como sendo um sistema inclusivo e democrático, por enquanto em inglês, editado pela Palgrave/ Macmillan, o livro "Making Brazil work -Checking the president in a multiparty system" será lançado, no dia 18, num debate na Fundação Getulio Vargas no Rio, com a participação dos cientistas políticos Sérgio Abranches e Simon Schwartzman e do economista Samuel Pessoa.
Os autores, Marcus André Melo, professor de Ciência Política na Universidade Federal de Pernambuco, e Carlos Pereira, professor de Políticas Públicas na Fundação Getulio Vargas no Rio, pretendem travar uma discussão mais ampla, partindo do estudo do caso do Brasil, desse presidencialismo com fragmentação partidária que consideram ser um fenômeno das democracias modernas no mundo.
Eles pretendem desmistificar a interpretação dominante de que esse sistema é muito custoso e ineficiente, não gera estabilidade democrática, e sim corrupção e até mesmo impasses com o Legislativo que podem pôr em risco a democracia. "Achamos que quem pensa assim está errado", diz Pereira, reafirmando que há poucas experiências no mundo de presidencialismo bipartidário, sendo uma das exceções os Estados Unidos.
Para os autores, o presidencialismo multipartidário é um fenômeno das novas democracias, e esse modelo tem gerado estabilidade democrática e capacidade de governo. Presidentes mesmo eleitos de forma minoritária têm conseguido construir e sustentar maiorias ao longo de seu governo. E, quando utilizam bem as ferramentas de governo, têm conseguido enfrentar os embates com o Legislativo e perder poucas votações.
O grande fantasma da interpretação dominante é que esse presidente viraria um refém do Congresso, comenta Pereira, e por isso a ideia de forjar um presidente forte com instrumentos de governo para até mesmo, se necessário, ultrapassar o Legislativo se configurou como predominante dos presidencialismos a partir da década de 1980 no mundo inteiro.
Para os autores, a grande diferença é se isso se dá de forma legítima, como no Brasil, onde uma maioria legislativa optou por delegar esses poderes ao presidente, ou se ocorreu como na Venezuela e em outros países, onde o presidente superou e solapou a autoridade do Legislativo.
Outra diferença fundamental no Brasil, dizem eles, é que, aliada a um presidente forte, a nossa Constituição também configurou mecanismos de controle muito robustos. Não temos mecanismos do parlamentarismo que permitem descartar um presidente incompetente, mas temos um Judiciário muito forte, um Ministério Público incrivelmente independente, uma mídia muito competitiva, independente e fiscalizadora, uma Polícia Federal efetiva e um Tribunal de Contas muito ativo. "Esse é um emaranhado de estrutura de controle que tem a capacidade de dizer 'não' para esse presidente poderoso", ressaltam eles.
O trabalho defende a tese de que a fragmentação traz em si um componente endógeno quase que natural de fiscalização, porque, como o partido do presidente não tem maioria, vai ter de montar maiorias heterogêneas e fragmentadas. "Isso torna o jogo muito mais fiscalizado, mais transparente e com restrições".
Para Pereira, o papel do PMDB é fundamental nesse equilíbrio. O PMDB tem sido o voto mediano da coalizão, e sua tradição democrática tanto impediu alternativas à extrema direita - Tancredo contra Maluf no Colégio Eleitoral em 1985; e foi dos primeiros partidos a sair da coligação no governo Collor - como também a alternativa da esquerda fora da democracia. "Eles sabem que esse papel de fiel da balança será exercido até o ponto em que não sejam ameaçadores para os outros partidos que polarizam a disputa pela Presidência no Brasil, o PT e o PSDB", observa Pereira. Os autores não veem o fisiologismo como ameaça à democracia nesse sistema de presidencialismo fragmentado.
No livro, eles avaliam que não existe sistema político ideal, e cada sociedade determina qual o melhor sistema para ela. A nossa tradição seria a fragmentação, a única fórmula de se contrapor a um Executivo tirânico, posição consolidada no DNA do sistema político brasileiro. (Amanhã, o desvio do mensalão)