Privatização de aeroportos, meio ou fim? Josef Barat*
Política

Privatização de aeroportos, meio ou fim? Josef Barat*


O crescimento do tráfego aéreo acarretou três grandes problemas em escala mundial. Primeiro, a saturação do espaço aéreo nos grandes complexos aeroportuários impõe investimentos vultosos para preservar os padrões tanto da proteção e segurança de vôo quanto dos procedimentos de pouso e decolagem. A confiabilidade do transporte aéreo depende desses investimentos, em geral governamentais. Outro problema é a dificuldade em adequar as infra-estruturas aeroportuárias às pressões da demanda. Os aeroportos das grandes metrópoles sofrem ampliações contínuas de capacidade e, quando as possibilidades se esgotam, novos aeroportos são construídos em áreas periféricas. Com isso geram-se gargalos de acessibilidade e circulação viária no espaço metropolitano. O terceiro é a disputa entre empresas pelos chamados hub airports. A competição acirrada por rotas e a dificuldade crescente de operar nesses aeroportos - pela insuficiência de "slots" de chegada e partida - prejudicam especialmente as empresas de aviação regional e provocam o esvaziamento de grande parte da rede de aeroportos.

Embora muitos serviços sejam terceirizados, parcela preponderante dos investimentos em construções e ampliações nas infra-estruturas aeroportuárias é feita com recursos governamentais. Esses, quando escassos, comprometem a continuidade de planos e projetos em prejuízo da eficiência e imagem do sistema de aviação civil. Para superar essa restrição, têm sido formulados novos mecanismos de financiamento baseados nos conceitos de "Project Finance", parcerias e concessões. Esbarram, todavia, na dificuldade de superar a ótica tradicional de vê-las como áreas de responsabilidade pública direta em razão do forte envolvimento com o controle do espaço aéreo. Por outro lado, não se pode ver o aeroporto como uma atividade econômica a ser regulada pelo mercado. Por mais que se insira no mercado como "negócio", trata-se também de um serviço público que exige mecanismos reguladores das suas múltiplas funções. A concessão de uma infra-estrutura aeroportuária não implica, assim, simplesmente delegar a terceiros a exploração dos serviços e os investimentos. Pressupõe, sobretudo, avanços nos domínios da gestão, das operações multimodais, da incorporação de tecnologia e, sobretudo, da segurança de vôo.

Num momento em que é lançada a idéia de "privatização" de aeroportos, cabe refletir com equilíbrio e serenidade sobre os caminhos a serem trilhados. Dada a grande complexidade do sistema de aviação civil, mais do que nunca é necessário um esforço abrangente de planejamento de médio e longo prazos. Como os investimentos nos aeroportos resultam de necessidades concretas da demanda de passageiros e de cargas, que se traduzem por sua vez em movimentação de aeronaves e imposições de segurança, é imprescindível que se tenha uma visão integrada das tendências e cenários para o desenvolvimento: 1) da rede aeroportuária; 2) do controle do espaço aéreo e da proteção ao vôo; 3) da indústria aeronáutica e da absorção de aeronaves pelas empresas aéreas; e 4) das conexões terrestres com os principais aeroportos.

Tomando-se o horizonte dos próximos 30 anos, as mudanças no panorama da aviação civil serão drásticas. O controle do espaço aéreo será feito por satélites estacionários, o que exigirá vultosos investimentos e grande esforço de desenvolvimento tecnológico pelo Departamento de Controle do Espaço Aéreo e pela Agência Espacial Brasileira. A indústria aeronáutica mundial produzirá aeronaves que acentuarão a tendência de elevar a eficiência dos combustíveis, a velocidade média e o número de passageiros por vôo. Na medida em que mais pessoas e cargas demandarão o transporte aéreo, maiores serão as exigências por pistas, pátios e terminais em toda a hierarquia do sistema aeroportuário. As conexões ferroviárias e rodoviárias serão os pontos críticos da movimentação aeroportuária.

Concessões bem-sucedidas são um meio para dar suporte a estratégias de Estado. O momento é de saber o que se quer da aviação civil e qual é a estratégia para o seu desenvolvimento: estimular a competição com regulação vigilante? Estimular a desconcentração? Ampliar a universalização dos serviços? Aumentar o número de aeroportos em operação? Estimular a aviação regional? Vincular a aviação ao deslocamento das fronteiras econômicas? Se só os poucos aeroportos lucrativos forem concedidos, qual será a fonte de custeio para a legião dos deficitários?

*Josef Barat, economista, consultor, ex-diretor da Anac, é presidente do Conselho de Desenvolvimento das Cidades da Federação do Comércio do Estado de São Paulo



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