Quadrilha de Cachoeira mantinha relações com a imprensa
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Quadrilha de Cachoeira mantinha relações com a imprensa







Carta Maior
 
Não era apenas com políticos influentes, como o senador Demóstenes Torres (DEM-GO), que a quadrilha do contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, mantinha estreitas relações. O vazamento de trechos do inquérito que resultou na deflagração da Operação Monte Carlo, pela Polícia Federal (PF), mostra que a organização criminosa também contava com o apoio da imprensa para viabilizar suas atividades ilícitas. Najla Passos e Vinicius 




Brasília - O vazamento de trechos do inquérito que resultou na deflagração da Operação Monte Carlo, pela Polícia federal (PF), em fevereiro, mostra que, além de corromper agentes públicos e manter estreitas relações com políticos influentes como o senador Demóstenes Torres (DEM-GO), a organização criminosa chefiada por Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, também contava com o apoio da imprensa para viabilizar suas atividades ilícitas.

Na denúncia encaminhada à 11ª Vara da Justiça Federal em Goiás para solicitar a prisão de 81 membros da quadrilha, os procuradores da República Daniel de Resende Salgado, Léa Batista de Oliveira e Marcelo Ribeiro de Oliveira comprovam que Lenine Araújo de Souza, o principal braço operacional de Cachoeira, mantinha contato com jornalistas, com o propósito de plantar matérias, mediante pagamento, que favorecessem as atividades criminosas da quadrilha.

Exemplo é um diálogo gravado pela PF, por meio de escutas telefônicas autorizadas, entre Lenine e o jornalista Wagner Relâmpago, repórter do programa DF Alerta, da TV Brasília/Rede TV. Na conversa, Relâmpago promete criticar as autoridades que tentavam coibir os jogos clandestinos no entorno do Distrito Federal, uma das áreas de atuação da quadrilha. Em troca, Lenine lhe oferece dinheiro.

Lenine: Os amigos não teve aula hoje, aí não ouviu.

Wagner: Bati bem... e vou passar uns quatro, cinco dias batendo pra ver se eles desanimam um pouquinho.

Lenine: É isso mesmo. É isso mesmo... né? Segunda-feira eu vou até gravar isso aqui... o programa.

Wagner: Beleza, grava segunda. Eu vou bater, vou bater terça... até a hora que eles se animarem. Aí o cara vem conversar comigo. Aí eu então... E se ele vier conversar comigo, aí eu arrojo ele no ar, que é pior.

Lenine: Beleza. Beleza. Excelente. Segunda-feira então você toca, e quando for durante o dia, você me chama. Vamos conversar segunda-feira.

Wagner: Beleza. Deixa eu falar um negócio com você. Aquele cheque lá...
recebi dinheiro do cara. O quê que eu faço? Deposito na sua conta, como é que faz?

Lenine: Não, fica com ele aí. Pode ficar com ele aí. Você tá prestando esse favor pra mim. Tá!

Wagner: Não. Uma coisa aqui não tem nada a ver com a outra. A nossa amizade está acima desse trem aí. Bater no cara eu vou, porque ele tá prejudicando você aí.

Lenine: Eu sei disso. Sei disso. Tanto é que eu não... como se diz... não cheguei, não falei nada, o quê seria, como seria. Mas isso aí é uma gratidão mesmo. Você sabe disso.

Wagner: Tranquilo. Essa semana eu vou... eu vou dar uma batida nos três dias seguidos pra ver o que acontece.

Lenine: Beleza.

Wagner: Abraço, meu irmão. Bom final de semana pra você. Fica com Deus aí.


Os procuradores dão a entender, na denúncia, que o grampeamento dos telefones dos membros da quadrilha, durante os cerca de onze meses de investigações, revelam outros episódios, envolvendo outros atores. Afirmam, porém, que tratarão do assunto “mais adiante”. Naquele momento, a prioridade deles era garantir a prisão de Cachoeira e seus principais comparsas, antes que as informações sobre a operação vazassem.

Ao determinar a prisão dos membros da quadrilha, o juiz da 11ª Vara da Justiça Federal em Goiás, Paulo Augusto Moreira Lima, também destacou o papel da imprensa na organização.

“Ademais, os meios de proteção ao esquema criminoso alcançou (sic) a utilização e manipulação da própria imprensa, sempre mediante pagamento, tudo com o escopo de tentar desqualificar o trabalho desenvolvido por órgãos sérios de persecução e preservar os negócios espúrio”.

Ainda que sem revelar nomes, em outros quatro trechos o juiz deixa claro que há mais jornalistas envolvidos com a organização criminosa de Cachoeira:

“Detectou-se, ainda, nas investigações os estreitos contatos da quadrilha com alguns jornalistas para a divulgação de conteúdo capaz de favorecer os interesses do crime.”

“O poderio era tanto que a organização criminosa contava com o apoio de jornalistas para “bater” em trabalhos sérios que poderiam atrapalhar os “negócios”.”

“...sobressaem das investigações a estrutura empresarial do negócio e o trânsito fácil da organização junto a políticos, jornalistas e empresários.”

“Há provas de que políticos abriram seus gabinetes para os criminosos, jornalistas venderam matérias e empresários apoiaram e contaram com o apoio de membros da quadrilha. Mas isso será tratado num segundo momento.”


Impressionado com a penetração da quadrilha nas diferentes instâncias da sociedade, o juiz Paulo Augusto Moreira Lima descreveu: "interessante notar que o perfil dos criminosos ora observado, em especial Carlos Cachoeira, é completamente distinto daquele estereótipo ordinariamente visto. Não mora na periferia, não está à margem da sociedade nem vive na clandestinidade. Pelo contrário, é estreita a amizade com policiais, políticos, jornalistas e empresários, o que acabou por facilitar sua atuação ao longo do tempo".

Revista Veja
Nesta semana, o jornalista Luis Nassif revelou em seu blog que as gravações feitas pela Operação Monte Carlo “mostram sinais incontestes de associação criminosa da revista [Veja] com o bicheiro [Cachoeira]”. Seriam mais de 200 telefonemas trocados entre Cachoeira e o diretor da sucursal de Brasília, Policarpo Júnior, nos quais o jornalista informa sobre as matérias publicadas e recebe informações e elogios.

Segundo Nassif, depois da associação com Cachoeira, Policarpo tornou-se diretor da sucursal da revista e, mais recentemente, passou a integrar a cúpula da publicação, indicado pelo diretor Eurípedes Alcântara. “Há indícios de que Cachoeira foi sócio da revista na maioria dos escândalos dos últimos anos”, conclui Nassif.



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