Que, bem ou mal, falem as urnas EDITORIAL O ESTADO DE SÃO PAULO
Política

Que, bem ou mal, falem as urnas EDITORIAL O ESTADO DE SÃO PAULO


- 03/10/10


Nesta manhã, ao se abrirem as seções eleitorais para mais uma festa da democracia, estará se encerrando mais um episódio memorável da série do "nunca antes na história deste país": dois mandatos presidenciais sucessivos obstinada e precipuamente focados no projeto político de manter no poder Lula e associados. Com grande habilidade e total desembaraço na manipulação do varejo político, com um carisma capaz de seduzir até os que se julgam mais esclarecidos e ainda com o respaldo de um trabalho bem-feito na aceleração do desenvolvimento econômico e na incorporação de milhões de brasileiros ao mercado de consumo, Lula jamais perdeu de vista o projeto de poder a serviço do qual colocou tudo e todos, inclusive e principalmente as ações de governo. Menos mal que a perseguição desse objetivo transite, pelo menos por enquanto, pela via eleitoral, embora não necessariamente por convicção democrática, mas pela verificação de que, até onde a vista alcança, não existem condições objetivas mínimas para nova aventura escancaradamente autocrática no Brasil.

Quando se têm olhos para enxergar, os fatos demonstram claramente que Lula e o PT não têm projeto de governo, apenas de poder. Foi a opção que assumiram quando se cansaram de ser derrotados nas urnas. Passaram então a fazer tudo, o que quer que seja, passando por cima, se necessário, dos valores éticos que até então defendiam, e até mesmo sobre as instituições da República, para garantir vitórias nas urnas. Primeiro, houve a guinada radical nas principais proposições programáticas do PT com a Carta aos brasileiros, em 2002. Depois, a manipulação da opinião pública, especialmente dos segmentos menos instruídos e por essa razão mais vulneráveis à demagogia, com a massificação de inverdades como a de que o governo Fernando Henrique legou ao País uma "herança maldita". A partir daí, aprendida a lição, Lula e seu partido passaram a defender e praticar, sem constrangimentos, exatamente o contrário do que originalmente pregavam. Se antes, na oposição, o Plano Real tinha que ser combatido, agora, para manter o poder, é bom continuar aplicando seus princípios (sem admitir isso publicamente, é claro); se antes, na oposição, as oligarquias políticas do Norte e Nordeste eram duramente condenadas, agora, para manter o poder, é melhor a elas se associar; se antes, na oposição, qualquer deslize dos administradores públicos era implacavelmente denunciado, agora, para manter o poder, melhor fingir que isso não é nada, coisa pouca, meros desvios.

É impressionante, aliás, a mudança de atitude do inspirador e principal operador desse projeto de poder. Lula, que antes de chegar ao Palácio do Planalto tinha ataques de virtuosa indignação diante de atos de corrupção no governo, uma vez no poder varreu para debaixo do tapete os "erros" cometidos por seus aliados e colaboradores, frequentemente sob suas barbas, quando não lhes passou a mão na cabeça. Não há registro no noticiário, durante toda a era Lula, de uma vez sequer que o presidente tenha vindo a público para condenar explicitamente a corrupção no seu governo ou em sua base partidária - e não foi por falta de escândalos. O máximo a que se permitiu foi a tentativa de desqualificar acusados com o debochado apodo de "aloprados". Toda sua teatral indignação, todo o ímpeto de sua revolta, Lula reservou para atacar quem, por dever de ofício, tem denunciado a falência ética de seu governo: a imprensa.

De qualquer modo, o projeto de poder de Lula chega hoje a um ponto decisivo. O chefe do PT colherá os frutos do que plantou, por um lado, com seus acertos e, por outro, com a extraordinária esperteza que revelou para se manter imune aos efeitos negativos de qualquer tipo de desacerto, especialmente aqueles provocados pela concupiscência da companheirada. Blindado pela imagem do trabalhador de origem humilde que não se intimidou diante da perfídia das elites e logrou o feito histórico de "colocar o povo no poder", descansa agora o presidente na expectativa de sua maior recompensa. O que virá as urnas o dirão. Há que respeitá-las. Mesmo que o maior efeito dessa festa democrática venha a ser uma enorme ressaca para a consciência cívica do Brasil.



loading...

- Merval Pereira: "lula Poderá Ser Um Poder Paralelo''
O ESTADO DE S. PAULO Merval Pereira, Jornalista - Em livro que reúne seus artigos desde 2002, jornalista mostra como o lulismo assumiu o poder José Maria Mayrink A releitura de 372 artigos selecionados entre aqueles que publicou no jornal O Globo, entre...

- A Elite Que Lula NÃo Suporta Editorial O Estado De SÃo Paulo
- 21/09/10 Nas encenações palanqueiras em que o presidente Lula invariavelmente se apresenta como o protagonista da obra de criação deste país maravilhoso em que hoje vivemos, o papel de antagonista está sempre reservado às "elites". Durante mais...

- RepubliquetizaÇÃo Do PaÍs Editorial O Estado De SÃo Paulo
14/09/10 Não é por acaso que o Gabinete Civil da Presidência da República tem estado envolvido em quase todos os grandes escândalos do governo Lula. A começar pelo mensalão, operado por José Dirceu, até a recentíssima denúncia de descarado...

- Como Nunca Antes Neste País Editorial O Estado De S. Paulo
09/09/2010 Tão profícua tem sido a atuação do presidente Lula na desmoralização das mais importantes instituições do Estado brasileiro, que se torna missão complexa avaliar o que efetivamente tem sido realizado nesse campo, aí sim como nunca...

- A Transgressão Consagrada- O Estado De SÃo Paulo
EDITORIAL O Estado de S.Paulo - 15/07/10 Luiz Inácio Lula da Silva entrará para a história das eleições presidenciais brasileiras sob o Estado Democrático de Direito pela desfaçatez sem paralelo com que se conduz. Ele não apenas colocou os recursos...



Política








.