Política
Quebra-cabeça - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 18/08
A estratégia do relator do mensalão, ministro Joaquim Barbosa, ficou clara a partir da decisão de manter a mesma estrutura de votação de quando do acolhimento da denúncia. Vai montar, peça por peça, um quebra-cabeça.
Ele pretende permanecer no centro dos debates até o fim do julgamento, mantendo a atenção de seus pares e também (ou sobretudo) da opinião pública para cada um dos elos da cadeia de corrupção que detectou no esquema montado a partir da chefia da Casa Civil da primeira presidência de Lula. Por isso, como fez da primeira vez, deixará para o final seu veredicto sobre o crime de quadrilha, onde aparece o ex-ministro José Dirceu como chefe do esquema.
Espera assim o relator demonstrar que os fatos se sobrepõem e estão concatenados, numa operação orquestrada de cima. Dentro desse raciocínio, tem sentido o relator ter começado seu voto pelo item "desvio do dinheiro público", pois, se aceita pela maioria do Supremo sua tese de que houve dinheiro público para os financiamentos ilegais, estará provado que o mensalão não foi apenas o uso de caixa dois como quer a defesa.
Teria sido por essa razão que o ministro Ricardo Lewandowski tentou mudar a metodologia de votação, pondo-se mais uma vez como contraponto do relator. A primeira sessão de votação começou na quinta-feira com uma hora de atraso justamente porque, nos bastidores, a maioria tentou que o revisor Lewandowski aceitasse a divisão por itens do processo, o que ele não queria, provavelmente por intuir que a maneira de encaminhar a votação leva a uma compreensão dos fatos mais próxima da acusação do procurador-geral da República.
Lewandowski, ao contrário, queria quebrar a ligação entre si dos fatos ocorridos, tanto que anunciou que seu voto seria nominal e por ordem alfabética dos réus. Ora, relacionar os réus não pelos crimes cometidos, mas pela primeira letra de seus nomes, esterilizaria completamente o julgamento.
O "espírito público" de Lewandowski, que registrei ontem, parece ter sido estimulado pelo isolamento em que se viu após tentar diante das câmeras de TV mudar procedimento que já havia sido acatado pela maioria de seus pares antes de a sessão começar. Superada a definição do procedimento de votação fatiada, de um modo tumultuado que seria dispensável para a boa imagem do Supremo, a ser mantido o calendário atual, o julgamento do mensalão entrará pelo mês de outubro.
Dessa maneira, o ministro Cezar Peluso só terá tempo de se pronunciar no máximo em um dos oito itens do voto do relator, justamente o que teve início na semana passada, o do desvio de dinheiro público.
Nesta segunda-feira Lewandowski dará seu voto sobre o caso do ex-presidente petista da Câmara João Paulo Cunha e suas ligações com o lobista Marcos Valério e seus sócios nas empresas de propaganda. Supondo-se que levará também uma sessão para dar sua posição, só na quarta-feira teremos a votação dos demais ministros. Se cada um levar entre uma e duas horas para dar seu voto, serão necessárias duas sessões para que os 11 ministros votem. Esse item sobre o desvio de dinheiro público tem mais três partes (o contrato do Banco do Brasil; o caso Visanet; o Ministério do Esporte, Correios e Eletronorte), que devem ser tratadas em outra sessão por Barbosa.
Peluso é o sétimo a votar. Provavelmente terá condições de votar na segunda parte desse item e, se o prazo estiver muito apertado, poderá sempre pedir para antecipar seu voto, mas só quanto a esse item. Não poderá antecipar todo o seu voto, pois estaria se pronunciando antes do relator em muitos casos, o que é vedado pelo regimento interno.
Os próximos itens da pauta abordarão os diversos temas pela ordem definida pelo relator - lavagem de dinheiro e gestão fraudulenta do Banco Rural -, sendo que José Dirceu só aparecerá no julgamento em meados de setembro, respondendo por corrupção ativa em relação aos integrantes dos quatro partidos aliados do governo envolvidos no caso (PL, hoje PR; PMDB; PP; e PTB). O último item do julgamento será a formação de quadrilha praticada pelo que foi definido pelo procurador-geral da República de "núcleo político", composto por Dirceu, José Genoíno e Delúbio Soares.
Muito antes disso, porém, já saberemos em que direção vai a maioria do plenário do Supremo.
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