Se há uma semana atrás alguém se atrevesse a prever um cenário de negociação dos partidos da esquerda, seria com certeza considerado um romântico. Conceber há uma semana atrás que o PS, PCP e Bloco estariam sequer a discutir tal possibilidade era um autêntico lirismo. E, para sermos precisos, com excepção do LIVRE/TEMPO DE AVANÇAR, nenhuma força política deu o devido relevo a esta possibilidade durante a campanha eleitoral. No entanto, para espanto de todos, é precisamente este cenário que estamos a viver.
Durante 40 anos, fruto sobretudo dos tempos do PREC e do status quo que de então para cá prevaleceu, a esquerda nunca conseguiu entender-se e constituir uma maioria que suportasse uma solução governativa. Aliás, os diversos sectores da esquerda procuraram quase sempre afirmar-se por oposição entre si. Conceber entendimentos, pontes ou denominadores mínimos comuns correspondia a não conhecer o sistema partidário português e os seus protagonistas. Entendimentos à esquerda era algo perfeitamente normal na vasta maioria dos países europeus, assumindo-se embora como uma autêntica impossibilidade a nível nacional.
No entanto, podemos estar hoje a assistir a um virar de página sobre esta questão. Tal como aconteceria na vasta maioria dos países europeus, decorrem reuniões entre as forças políticas à esquerda para aferir sobre uma possibilidade de entendimento. E as reacções dos mais diversos quadrantes têm sido bastante interessantes. À esquerda, os posicionamentos variam entre uma profunda apreensão e a possibilidade de estarmos a viver um momento histórico. Na direita política, como é natural, procuram-se todos os argumentos para demonstrar que um entendimento à esquerda não é viável para o país.
Curiosamente, instalou-se até a pretensa discussão sobre se um entendimento à esquerda e um Governo que daí emanasse corresponderia a uma espécie de “golpe de secretaria”, uma vez que foi a coligação PSD/CDS a força política mais votada. Estranha discussão esta que parece ignorar que, em Portugal, temos um sistema representativo em que o Governo emana de uma maioria parlamentar. Assim sendo, se existir uma maioria parlamentar que suporte o referido Governo, qual é a questão?
Como é evidente, as presentes negociações entre o PS, a CDU e o Bloco poderão não resultar numa maioria ou num entendimento que suporte um Governo de Esquerda. Por mais desejável ou indesejável que o presente cenário se afigure, todos podemos reconhecer que é pouco provável que tal possa acontecer já na presente legislatura. Trata-se de um cenário complemente novo, os respectivos líderes partidários demonstram ainda estar pouco confortáveis com o mesmo, as máquinas partidárias também estão bastante surpresas com o evoluir dos acontecimentos. Se a isto adicionarmos uma comunicação social que ainda não sabe bem como lidar com o tema, verificamos que as hipóteses de sucesso são reduzidas. E, na verdade, é pena que PS, CDU e Bloco tenham desenvolvido grande parte da campanha eleitoral a excluir-se mutuamente. Podiam melhor ter preparado o país para este tipo de cenário, minimizando assim a apreensão que se faz sentir em alguns sectores.
De qualquer modo, se deste processo não resultar um Governo suportado por uma maioria de esquerda, a caminho feito já está a quebrar enormes tabus. O facto do cenário estar efectivamente em cima da mesa e de estar a gerar expectativas no eleitorado demonstra que, se não agora, no futuro a procura de entendimentos poderá ser algo relativamente normal. Na pior das hipóteses, será uma possibilidade a não excluir à partida. O diálogo em curso poderá estar a fazer escola. Se assim for, eis uma grande vitória. A democracia portuguesa e o sistema de partidos em Portugal estarão a ultrapassar uma das suas maiores anomalias.
Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental
(Imagem retirada aqui)
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