Quem levará os 100 bilhões?
Política

Quem levará os 100 bilhões?


EDITORIAL O ESTADO DE S PAULO
O governo anunciou a liberação de R$ 100 bilhões do Tesouro para ampliar a capacidade de empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). É o dobro do dinheiro pedido pelo presidente do banco, Luciano Coutinho. Com esse aporte, a instituição deverá dispor de R$ 166 bilhões para financiar investimentos, em 2009, e assim contribuir para atenuar os efeitos da crise global. Segundo o ministro da Fazenda, Guido Mantega, os créditos serão condicionados ao compromisso de criação de empregos. Ressalvado esse pormenor, a novidade foi bem recebida por dirigentes da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e de outras entidades de representação empresarial. Mas há outros pontos discutíveis nessa iniciativa.

A União deverá endividar-se para oferecer esse dinheiro ao BNDES. A Medida Provisória 453, publicada na sexta-feira, autorizou a emissão de títulos para essa finalidade. A dívida líquida não aumentará, disse o ministro da Fazenda, porque o aporte de recursos vai ser contabilizado como empréstimo. É uma explicação insuficiente. Haverá, tudo indica, um subsídio na concessão do dinheiro, e um custo, portanto, para o Tesouro. Por aí, o resultado financeiro não será neutro.

Como contrapartida, o banco poderá entregar ao Tesouro créditos contra a BNDESPar (BNDES Participações), sua subsidiária. Isso não muda muito o cenário. Os financiadores do governo levam em conta não só sua dívida líquida, mas também o valor bruto de seus compromissos, e este vai aumentar. Para completar os R$ 100 bilhões o Tesouro poderá usar o superávit financeiro registrado no fim de 2008. Um bom uso alternativo para esse dinheiro seria a redução da dívida pública, mas essa ideia não parece atrair o ministro da Fazenda.

Resta saber se esse endividamento valerá a pena. A resposta não é simples, porque o uso do dinheiro dependerá dos critérios do BNDES e, certamente, da orientação oferecida pelo primeiro escalão do governo.

Parte substancial do dinheiro deverá ir para a Petrobrás, para financiar seus investimentos. Mais uma vez, a maior empresa brasileira recorrerá ao mercado interno para cobrir suas necessidades. Se a prioridade do BNDES for a ajuda aos maiores grupos nacionais, aqueles com maior acesso aos bancos estrangeiros, a maioria das empresas continuará sem recursos até para despesas do dia a dia.

O governo não deveria menosprezar esse dado: o problema da maior parte dos empresários, hoje, não é arranjar dinheiro para investir, mas conseguir capital de giro para atravessar a crise. Para esses, o crédito continua curto e caro.

Mas há motivos até mais fortes para preocupação quanto aos critérios do governo. O BNDES acaba de se envolver na compra do controle da Aracruz Celulose pelo Grupo Votorantim. Comprometeu R$ 2,4 bilhões numa operação de apoio a dois grandes grupos afetados por maus negócios com derivativos cambiais. Pouco antes, o Banco do Brasil havia comprado 49,9% do capital com direito a voto do Banco Votorantim.

Fatos muito recentes, portanto, justificam os temores em relação ao destino dos R$ 100 bilhões postos à disposição do BNDES pelo Tesouro. Afinal, o banco trabalha com dinheiro público e, além disso, a dívida do Tesouro é dívida do contribuinte, rico ou pobre.

Em nota distribuída ontem, o BNDES mostrou o efeito de seus financiamentos na criação e na preservação de empregos entre 2003 e 2008. A tabela não explicita a diferença entre emprego criado e emprego mantido, mas, seja como for, a mensagem da instituição é a seguinte: os financiamentos concedidos têm favorecido a geração e a preservação de postos de trabalho. Entre 2003 e 2006, o número de empregos por milhão de reais correspondeu em média a 23,8. Em 2008, chegou a 27,4, mas entre 2004 e 2007 esteve sempre abaixo do nível de 2003, 24,4.

Se a mensagem for levada a sério, a condição mencionada pelo ministro da Fazenda - emprestar para quem emprega - será supérflua. Mas seria uma condição tola, de toda forma, porque a maior parte dos investimentos tende a criar oportunidades de trabalho pelo menos indiretamente. No mínimo, o ganho de competitividade impede a destruição de postos de trabalho pela ação de concorrentes estrangeiros mais produtivos.

O ministro parece haver esquecido também esse detalhe.
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