No tempo da ditadura, Chico Buarque era uma unanimidade nacional, ou
quase. Até os generais-presidentes Costa e Silva e Garrastazu Médici
apreciavam as suas músicas mais líricas. É possível que alguns
militares menos românticos e mais durões não gostassem - mas suas
filhas gostavam.
Hoje, apesar de viver um dos melhores momentos de sua carreira, em
plena maturidade criativa, já com uma obra monumental e lugar de honra
na nossa história, Chico, que sempre se acreditou amado, descobriu nos
blogs da internet que é (também) odiado. Pelas milícias partidárias
que unem a ignorância e a intolerância para desqualificar uma obra e
um artista pelas suas opiniões políticas. Em 1968, vaiado pela
esquerda universitária, Caetano Veloso gritava em seu célebre
discurso: "Se vocês forem em política como são em estética, estamos
feitos". Os que hoje xingam Chico atualizam as mesmas palavras.
É um clássico da condição humana. A inveja e o ressentimento que se
transformam em ódio irracional contra indivíduos vitoriosos, admirados
por muita gente, que ganham dinheiro com seu trabalho, que não têm
patrão nem comandante e podem viver com liberdade e independência. Sem
sequer ler o que escrevem sobre eles. Para quem escreve, como
militante anônimo de uma engrenagem coletiva, é a oportunidade para
descarregar suas misérias e frustrações pessoais sobre o invejável
invejado. Pena que ele não vai ouvir.
A política é transitória e contraditória. Pela visão do Zé Dirceu, fã
de Chico, os que são contra o aborto e a favor da pena de morte e da
maioridade penal aos 16 anos são "de direita". Então a maioria da
classe média tão cortejada pelos políticos, que elegeu um governo de
esquerda, é "de direita" e não sabe?
A ironia é que esta nova e imensa classe média, alardeada como grande
vitória de governos progressistas, é cada vez mais conservadora, pelo
instinto natural de manter suas conquistas recentes, casa, carro,
consumo, emprego, com lei e ordem e sem sobressaltos. E também gosta
de Chico Buarque.
As paixões políticas passam, a obra artística permanece. Não se afobe
não, que nada é pra já.