O episódio de vazamento de dados tributários do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge, dos arquivos da Receita Federal, a seguir publicados pela Folha de S. Paulo, é de uma gravidade ainda não dimensionada pela própria oposição. Recapitulemos.
Um cidadão, não importa quem seja, tem seus dados fiscais, que deveriam estar sob sigilo do Estado, vazados e tornados públicos. O órgão em pauta reconhece, em nota, que o delito existiu e que foi praticado internamente, por gente sua.
"Não houve violação, houve acesso", diz o secretário Octacílio Cartaxo, que, dias depois, perante o Senado, acrescentaria saber quem cometeu o crime – e ainda quando, quantas vezes e de onde, esclarecendo apenas que não foi na sede do órgão, em Brasília.
Mais: lamenta não poder revelar quem é o infrator por razões de sigilo institucional, não observado, contudo, em relação ao contribuinte em questão. Temos então um paradoxo: cobre-se com o manto do sigilo aquele que cometeu o crime de quebrá-lo.
Como se não bastasse, declara que, embora já tenha desvendado o delito, só será possível puni-lo após o prazo de 120 dias – ou seja, após as eleições. Ora, esse prazo existe para que nele se investigue a autoria e as circunstâncias do delito. Se o secretário já as conhece, não tem por que aguardar que se esgote.
Mesmo que o delito ficasse nessa amplitude, seria, como é, gravíssimo. Mas vai além: conecta-se ao processo eleitoral – mais especificamente, à sucessão presidencial. E isso o agrava – e muito.
O jornal que recebeu e publicou os dados tributários de Eduardo Jorge, sob a guarda da Receita Federal, informou que se destinavam à elaboração de um dossiê que tinha como alvo o candidato José Serra, do PSDB. Disse mais: que o dossiê estaria sendo preparado por uma empresa, a Lanza Comunicação, contratada pelo PT para monitorar as ações de imprensa da candidata Dilma Rousseff.
A conexão entre aquela empresa e o submundo da espionagem foi dada por um personagem do meio, o delegado aposentado e araponga Onézimo de Souza, que, perante o Congresso, informou ter sido chamado a espionar o candidato tucano para extrair informações que o comprometessem. Disse dispor de provas, sugerindo que gravou a conversa com seus interlocutores.
Juntando-se as pontas desse novelo, tem-se um Watergate caboclo – mais grave, em sua essência, que o original. E oferecendo mais pistas, nessa sua gênese, que aquele ofereceu.
O Watergate original teve como ponto de partida um episódio trivial: o arrombamento da sede do Partido Democrata, em Washington. Aparentemente, uma tentativa de roubo, que parecia coisa menor, destinada ao esquecimento.
Mas, em meio à trivialidade aparente, os repórteres do Washington Post descobriram que o nome de um dos detidos constava da folha de pagamento do comitê de reeleição de Nixon.
Puxaram o fio do novelo e chegaram, meses depois, quando Nixon já estava reeleito, aos altos escalões da Casa Branca – e posteriormente ao próprio Nixon, que acabou renunciando.
O caso presente já começa num patamar bem mais elevado: a Receita Federal. E apresenta conexões bem mais evidentes. Falta apenas quem se disponha a investigá-lo mais a fundo.
Até aqui, apenas o deputado Raul Jungmann (PPS-PE) movimentou-se: protocolou na Procuradoria-Geral da República representação contra o secretário Otacílio Cartaxo, por prevaricação. No caso, por ocultar os infratores. É um bom começo
Ruy Fabiano é jornalista