A reforma política sofreu mais um revés, esta semana, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. O entendimento, por parte da oposição, de que o relatório do deputado João Cunha (PT-SP) permitia nova reeleição de Lula, responde pelo revés.
A suspeita começou com a absorção pelo relator de emenda do deputado Régis de Oliveira (PSC-SP), que "proíbe a reeleição do presidente da República, dos governadores e dos prefeitos para mandato subseqüente, ressalvados os atuais titulares dos cargos mencionados".
Como a ressalva não exclui os atuais titulares já beneficiados pela reeleição (caso de Lula), ficou claro para a oposição que essa omissão poderia ensejar uma terceira candidatura do atual presidente da República. Houve menções repetidas a esse aspecto e propostas para a devida correção, que o relator se recusou a acatar. Por que?
Se, de fato, ele não quer a segunda reeleição seguida, não teria motivos para a recusa. Alegou que seria desnecessária, por considerá-la implícita. Ora, em direito, vigora um axioma segundo o qual "o que abunda não prejudica". Ou seja, o excesso, quando em benefício da clareza, é bem-vindo. No caso, não foi. Daí o imbróglio, que adiou a decisão da matéria para o próximo (?) ano.
O vice-líder do DEM, deputado José Carlos Aleluia (BA), disse o óbvio: o problema seria resolvido se João Paulo excluísse aquela emenda e colocasse no texto de seu relatório menção explícita de que os reeleitos em 2006 estão excluídos da reeleição, permitida apenas para os eleitos e, dali em diante, extinta.
O pacto em torno da reforma política já havia estabelecido quatro pontos importantes para as próximas eleições: duração dos mandatos (cinco anos para presidente, governadores e prefeitos), fim da reeleição, voto obrigatório e extinção da figura dos suplentes não eleitos pelo voto (caso dos senadores).
O pacto previa ainda que os governistas entregariam a um parlamentar do DEM a relatoria da matéria na comissão especial que a examinará. Nada feito. Haverá nova reunião na próxima terça-feira, provavelmente a última do ano, e não há sinais de consenso. Houve bate-boca entre João Paulo e Aleluia, o que levou o peemedebista Eduardo Cunha (RJ), que presidia a sessão, a encerrá-la.
A suspeita se agravou quando um deputado do PCdoB, Flávio Dino (MA), valeu-se da seguinte pérola argumentativa para defender João Paulo: "Vocês (da oposição) não querem a reeleição porque acham que já ganharam a eleição. Só que (se) esqueceram de combinar com o povo". Ora, não se trata de questão de mnemônica, mas de legislação. Se houve acordo para extinguir a reeleição, o texto tem que deixar isso claro.
Se há dúvidas no próprio âmbito dos que legislam, é óbvio que gerará demandas judiciais no futuro. Como estilística não é matéria ideológica, o que justificaria a resistência redacional do relator João Paulo Cunha? Essa a pergunta que fica – e que deixa uma pulga atrás da orelha em relação às intenções futuras do presidente Lula.
Afinal, João Paulo, ex-presidente da Câmara, é figura de trânsito constante no Palácio do Planalto (não obstante integrar a lista dos 40 do Mensalão). Além disso, não é voz isolada no PT em relação à hipótese de um terceiro mandato, proposto por outro petista, deputado Devanir Oliveira (SP), que também – e não por acaso - desfruta da intimidade palaciana.
O episódio faz crer que a reforma política, proclamada há dias como prioridade governamental pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, continuará no papel por um bom tempo. E haja tempo. Já em 1870 – há, portanto, bons 138 anos -, numa reunião ministerial, dom Pedro II a proclamava como "prioridade nacional".
Dizia que "todos os males do país" (nada menos) derivavam do "modo como se fazem as eleições". Quem, ainda hoje, poderá contestá-lo? A República, nessa matéria, jamais promoveu o seu saneamento. As intervenções havidas apenas a agravaram, estigma que experimenta seu terceiro século de vigência.