Estadão
Duas pesquisas divulgadas na última semana indicam a necessidade de repensar nossos programas sociais e de transferência de renda, se o governo Dilma quiser mesmo cumprir a meta de eliminar a pobreza extrema no País. A Comissão Econômica para América Latina e o Caribe (Cepal) incluiu o Brasil no grupo de países que priorizam gastos sociais em previdência e assistência social em detrimento da educação e da saúde. Ou seja, a opção é pelos idosos, não pelos jovens. No relatório Situação da Adolescência Brasileira 2011, a Unicef identifica os adolescentes brasileiros como a faixa etária mais vulnerável e socialmente frágil, a única a registrar aumento, e não redução, dos que vivem em situação de extrema pobreza (eles saltaram de 16,3% da população, em 2004, para 17,6%, em 2009).
Em 2011 o programa Bolsa-Família completou dez anos - foi criado no governo FHC. Desde então, o número de famílias atendidas mais que dobrou, saltou de 5 milhões para 11,5 milhões e as primeiras crianças assistidas em 2001 têm hoje entre 17 e 24 anos. Justamente a faixa etária que mais empobreceu, na contramão do principal foco do programa: dar educação e condições econômicas para saírem da miséria, não repetirem a situação de exclusão social em que viveram seus pais. Por que, passados dez anos, o programa apresenta resultado tão contraditório ao seu propósito? E o mais alarmante: isso ocorre em tempos de expressivo progresso social, em que 29 milhões de brasileiros pobres ascenderam à classe média e a população miserável encolheu para 8,5%.
As duas pesquisas reconhecem o progresso social recente, que a Cepal atribui mais à expansão do emprego e da renda que a programas de transferência de renda - caso do Bolsa-Família. Segundo a Cepal, entre 1990 e 2010 a taxa de pobreza de todos os países da América Latina se reduziu de 48,4% para 31,4%, mas o Brasil não figura entre os cinco com queda mais expressiva (Peru, Equador, Argentina, Uruguai e Colômbia). No continente inteiro foi fundamental derrotar a hiperinflação, o elevado endividamento, a desordem econômica e as irresponsáveis gastanças dos governos para crescerem a economia, o emprego e a renda e reduzir a pobreza. Com exceção da inflação, são exatamente os problemas que vivem hoje países europeus.
Eliminar a pobreza extrema nada tem que ver com feitos grandiosos, como construir o trem-bala ou sustentar a megaestrutura de 38 ministérios no governo para distribuir cargos a políticos de partidos aliados, e ainda por cima corruptos. Implica, sim, concentrar a aplicação de verbas públicas em qualidade da educação e da saúde, levar saneamento aonde não há esgoto, água para regiões áridas do Nordeste, progresso econômico para os Estados do Norte, como tem ocorrido no Centro-Oeste. E, principalmente, promover crescimento econômico no País inteiro para gerar empregos, salários, renda e fazer recuar o crime e a violência.
Essas deficiências prejudicam a população mais pobre, mas vitimam com mais força os adolescentes e têm dificultado chegar a eles o progresso social conquistado nos últimos anos. Segundo a Unicef, na área da educação, por exemplo, só 3% das crianças estão fora da escola, mas 15% dos adolescentes não estudam e apenas 51% conseguem chegar ao ensino médio. A troca da escola por um trabalho desqualificado e sub-remunerado para trazer uns trocados para a família explica o fracasso do efeito Bolsa-Família entre os adolescentes. Foi o que fez dobrar para 661 mil os lares sustentados por jovens entre 15 e 19 anos. Além da responsabilidade precoce e descabida de sustentar a família, essa situação é também fonte de tensão e conflitos na rua e em casa. O passo seguinte é a exposição a uma vida de abandono, desregrada, violenta e por vezes a porta de entrada para o crime. Segundo a Unicef, enquanto a taxa de homicídios nacional é de 20 em cada 100 mil habitantes, entre os adolescentes ela salta para 43,2 por cada 100 mil. Na média, 11 meninos e meninas entre 12 e 17 anos morrem assassinados todos os dias.
Mudar essa realidade é a condição indispensável para eliminar a miséria.