A primeira vista, parece difícil encontrar pontos em comum entre esses três países, a não ser a geopolítica do petróleo e o autoritarismo de seus dirigentes.
A notícia de que a Rússia fará, juntamente com a Venezuela, exercício naval no Caribe chama a atenção não só porque coloca nossa região no contexto de fatos mais graves e importantes que ocorrem longe de nosso horizonte imediato, mas também porque será a primeira vez que navios de guerra russos farão manobras militares nas Américas desde o fim da Guerra Fria.
Essas manobras são parte menor, de movimentos tectônicos que estão ocorrendo na Rússia. Enquanto o colapso da União Soviética foi saudado no Ocidente como o triunfo da democracia e o fracasso do socialismo, do ponto de vista da Rússia, foi descrito, pelo então presidente, Vladimir Putin, como a maior catástrofe do século XX.
Putin, ex agente da KGB, quando era Primeiro Ministro, conquistou uma ampla base de apoio popular por controlar a desordem, a insegurança e o desespero (mas não a corrupção) que tomou conta da Rússia nos anos de quase anarquia que se seguiram ao fim do regime comunista e do império soviético. As novas gerações estão sendo doutrinadas não pelo marxismo leninismo, mas por uma educação russófila, isto é, de exaltação patriótica, de nacionalismo com tonalidades xenófobas e mesmo racistas em relação às minorias espalhadas pelo território russo.
Putin restabeleceu a ordem, reduziu a criminalidade e retomou a tradição autoritária que, revestida de diferentes formas, sempre esteve presente na Rússia desde Ivan, o Terrível, até os nossos dias. O povo russo sente-se agora mais a vontade e tranqüilo com a esperança e a auto-estima reconquistadas e com o orgulho da perspectiva de o país de novo tornar-se uma grande potência, fortalecida pela riqueza gerada pelos altos preços da energia (gás e petróleo).
O poderio militar russo está sendo gradualmente recomposto, com a execução de importantes programas de modernização das forças armadas, da indústria naval e aeronáutica.
Enquanto essas transformações ocorrem na sociedade russa, o Ocidente, na visão de Moscou, estimulado pelos EUA, manteve uma agressiva política de expansão militar da OTAN na Europa, com a incorporação dos antigos estados satélites soviéticos (e a planejada inclusão da Geórgia e da Ucrânia), com a instalação na fronteira russa de bases de anti-mísseis (Polônia) e radares (República Tcheca).
A crise na Geórgia, um dos chamados “conflitos congelados”, foi considerada por Moscou um ato a mais de provocação por parte dos EUA. A decisão de defender militarmente os enclaves de maioria russa (Ossetia e Abkazia) dos ataques do governo de Tbilisi e depois apoiar a separação de ambos da Geórgia tem motivações profundas. Podem ser identificadas razões geopolíticas (provocação no contexto da teoria de Moscou do cerco ocidental a Rússia), geoeconômicas (necessidade de manter sob estrito controle algumas das rotas do petróleo e do gás produzido na Rússia e vendido para a Europa) e de política externa (aplicação de um dos princípios enunciados pelo atual Primeiro Ministro Dimitri Medvedev, que prevê a defesa de nacionais russos onde quer que se encontrem). Faz ressurgir também o principio de esferas de influência (Yalta, 1945) sobre os países que denomina de “exterior próximo” (Ucrânia, Bielorús, os países bálticos e os outros Estados pós-soviéticos) .
É dentro do contexto de ampliação da projeção externa e de sua aceitação como ator importante no novo cenário internacional que devem ser entendidas algumas ações russas, como a retomada, pela primeira vez desde 1992, de missões de bombardeiros em áreas de longa distância no Atlântico, Pacífico e Artico, as manobras militares conjuntas dos países que integram a Organização de Cooperação de Xangai (Rússia, China, Tajiquistão, Uzbequistão, Quirguistão e Cazaquistão), a proposta de Tratado Internacional de Segurança que neutralizaria os EUA e as manobras navais e aéreas no Caribe.
Nem a União Européia, por razões estratégicas derivadas da dependência do petróleo e gás originários da Rússia, nem os EUA, às voltas com duas frentes militares no Afeganistão e no Iraque, tem condições de impor sanções efetivas contra a ação da Rússia na Geórgia. O adiamento do ingresso na OMC parece ser a única conseqüência negativa concreta para a Rússia.
Mesmo não tendo os meios para atuar como uma superpotência, como foi no passado, a Rússia é hoje muito mais do que uma potência regional, cuja ação se faz sentir não apenas na Europa Ocidental, mas também na Ásia Central, Oriente Médio e, em menor medida, na África e agora na América Latina.
A reaproximação de Moscou com Cuba (criação de centro espacial), a eventual exploração de gás na Bolívia, a venda de armamentos e os recentes acordos para desenvolver programa nuclear e a exploração de petróleo e gás com a Venezuela representam não só a afirmação do poder do estado russo, mas também oportunidades políticas e comerciais que Moscou está aproveitando. A oferta de uma base naval que teria sido feita por Chaves à Rússia - elevada à condição de aliada estratégica por Chaves - ficará apenas como mais um exercício de retórica do que uma ameaça a segurança nacional dos EUA.
De qualquer forma, é inconveniente a importação pela Venezuela de disputa geopolítica EUA-Rússia. Faz bem o Brasil em transmitir a Chaves a insatisfação de Brasília com esses gestos gratuitos, do ponto de vista dos interesses da região. Esses fatos representam mais um alerta para que as conseqüências políticas do ingresso da Venezuela no Mercosul sejam melhor examinadas pelo Congresso Nacional.
Rubens Barbosa, consultor de negócios e Presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp