A revelação recente da existência de uma unidade secreta de enriquecimento de urânio no Irã e a aprovação quase concomitante, pelo Conselho de Segurança da ONU, de resolução limitando mais rigidamente os arsenais e a proliferação de armas nucleares renovam a grande prioridade dessas questões na agenda internacional.
O Brasil já detém a sexta maior reserva de urânio do mundo, embora apenas 30% do território nacional tenha sido pesquisado. A pesquisa, a lavra, a produção, o enriquecimento e a comercialização de urânio são monopólio da União. A modificação de legislação para permitir a participação da iniciativa privada na prospecção e na exploração tornou-se urgente para aumentar rapidamente não só as reservas, como também a produção do minério no Brasil.
Quais as implicações desse fato, do ponto de vista do interesse brasileiro?
Em primeiro lugar, há o interesse estratégico de dispor da matéria-prima para atender a uma crescente demanda interna. O aumento do consumo ocorrerá pela expansão da capacidade do País de produzir energia nuclear pela construção de novas usinas, pela ampliação da pesquisa e do uso da energia nuclear para fins pacíficos e, no campo da defesa, pela construção de submarino a propulsão nuclear.
Em segundo lugar, o mercado internacional para o urânio enriquecido deverá crescer, com expressiva tendência de alta. Enquanto, em 2004, o preço do produto era de US$ 12, em outubro de 2009 subiu para US$ 42,50 por libra peso. Somente no mercado da América Latina, mais de sete usinas nucleares estão sendo programadas.
Em terceiro lugar, o programa de ampliação do nosso parque nuclear, que prevê a construção de oito centrais nos próximos anos, terá assegurado o combustível para seu funcionamento sem depender do beneficiamento externo. Até aqui, o Brasil, para beneficiar o urânio utilizado por suas duas centrais nucleares e em pesquisa para fins pacíficos, utiliza as facilidades de gaseificação no Canadá e de enriquecimento da Europa. Além de economizar mais de US$ 25 milhões, o Brasil terá receita crescente com a exportação do minério enriquecido e passará a competir com os EUA, a Europa e a Rússia para o seu fornecimento no mercado internacional.
Vale ressaltar que restrições constitucionais impedem ações visando à construção de artefatos nucleares. Em 1991, Brasil e Argentina puseram suas facilidades e laboratórios sob a supervisão da Agência Internacional de Energia Nuclear (AIEA) e se comprometeram a desenvolver o uso da energia para fins pacíficos. O Brasil se tornou signatário do Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP) em 1997, em decisão controvertida, especialmente depois de a Índia tornar-se potência nuclear. Não há duvida, portanto, sobre as motivações e os resultados do que se fez até aqui e sobre as finalidades dos ambiciosos programas projetados para os próximos anos, tanto na área civil quanto na área de defesa.
Em meados de 2008, com a entrada em funcionamento, em Rezende, de planta para o enriquecimento do urânio brasileiro a 4% - o que nos tornará autossuficientes -, o Brasil passou a deter o conhecimento do ciclo completo do combustível nuclear. Em dezembro de 2008, na nova Estratégia Nacional de Defesa, o governo brasileiro anunciou ter decidido não negociar o Protocolo Adicional ao TNP, que daria à AIEA autorização para inspeções ampliadas das instalações nucleares brasileiras.
O projeto de construção de um super-reator nuclear de pesquisa, ao custo de US$ 500 milhões, tornará o Brasil independente na produção de isótopos radioativos para medicina e será parte integrante do programa nuclear brasileiro.
Os acordos de cooperação com a China, com a Rússia, com a França e com a Ucrânia para o lançamento de satélites comerciais, a retomada dos entendimentos na área nuclear com a Alemanha e com a Índia, não só para o processamento de tório, mas também para o fornecimento de urânio enriquecido, e o projeto binacional com a Argentina para enriquecimento de urânio são alguns dos fatos recentes que indicam a alta prioridade que o governo brasileiro atribui a essa questão.
A entrada do País no rentável mercado de urânio enriquecido e os avanços no programa nuclear brasileiro poderão, na Conferência de Revisão do TNP em abril de 2010, colocar o Brasil no centro das discussões. As potências nucleares deixaram o desarmamento, um dos pilares do tratado, em segundo plano, e permitiram que quatro países - Israel, Índia, Paquistão e Coreia do Norte -, contrariamente ao disposto no TNP, avançassem em seus respectivos programas nucleares e se tornassem potências nucleares. Agora elas querem fechar as portas.
A ação do governo está explicitada na Estratégia Nacional de Defesa. É de nosso interesse, para a construção de um país com crescente projeção e responsabilidades externas, avançar, em todas as áreas, com programas que fortaleçam o poder nacional, a competitividade industrial e o domínio do conhecimento e da tecnologia, inclusive de uso dual, que possa levar à fabricação de artefato nuclear. O Brasil não pode abdicar dos meios para desenvolver os instrumentos necessários à garantia de sua segurança e soberania.
Cuidados adicionais deveriam ser tomados, em especial no tocante à aproximação com o Irã, cujo programa nuclear está sob cerrado ataque, apesar do controle pela AIEA. Declarações recentes comparando positivamente o programa nuclear iraniano ao do Brasil ou de apoio à construção da bomba atômica não ajudam a garantir a confiança que nosso país soube construir.
Resta saber se a desenvoltura do Brasil nessa área vai favorecer ou dificultar a pretensão do atual governo de buscar um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. |