Com efeito, seja qual for a intenção, a consequência objetiva do voto
seria condenar ao massacre os que tiveram a coragem de lutar pela
liberdade, gerando admiração no Brasil e no mundo.
Seria, se Brasília não soubesse que a resolução dispunha dos votos
para passar. O Brasil garante assim o melhor de dois mundos: não se
compromete, pois outros se incumbirão do trabalho necessário e
sofrerão o desgaste.
Por que se abster? Segundo a representante do Brasil, porque não
cremos que a interdição de voos seja a medida mais indicada para
resolver a questão.
Qual seria então essa medida? Os apelos, as exortações, o bloqueio dos
bens, o embargo de armas, a abertura de processos no Tribunal
Internacional por crimes contra a humanidade?
Mas tudo isso se tentou na resolução anterior, aprovada com o voto do
Brasil, só despertando no ditador Gaddafi desprezo e pouco caso.
Desta vez, em contraste, bastou aprovar a resolução para o governo
líbio anunciar o cessar fogo, sinal de como estavam errados os
diplomatas brasileiros. Por que então a abstenção? A medida é legal,
prevista na Carta da ONU. Tinha sido pedida pela Liga Árabe, órgão
regional competente. Não foi precipitada, uma vez que se tinham
esgotado antes todas as sanções menos graves, conforme exige a Carta.
Medidas de proteção a civis que possam implicar uso de força só devem
ser contempladas em último caso, mas essa é exatamente a situação na
Líbia. É difícil imaginar exemplo mais extremo do que país onde o
governo bombardeia seu próprio povo e ameaça desencadear repressão sem
piedade!
Na coluna de 6 de março, lembrei que do parágrafo 139 da declaração
das Nações Unidas de 2005, assinada pelo presidente Lula, consta o
compromisso de proteger as populações contra o genocídio, os crimes de
guerra contra a humanidade e operações de limpeza étnica por meio de
"ação coletiva decisiva e em tempo, caso os meios pacíficos se provem
inadequados e as autoridades nacionais falhem em proporcionar a
proteção".
Lembrei que não seria fácil cumprir tal dever com o voto da China, que
não se dissociou do massacre de Tiananmen e da Rússia, que mantém a
repressão no Cáucaso. Não imaginei que esses países de rabo preso,
mais a Índia, com seus constantes problemas na Caxemira, fossem
receber a cúmplice adesão do Brasil.
Ao contrário dos três BRICs, nosso país não é potência nuclear nem
militar, dispondo apenas da força da persuasão e do exemplo.
Por tal motivo, a diplomacia brasileira só terá credibilidade se
mostrar fidelidade a princípios e valores, aos direitos humanos e à
proteção de quem luta pela democracia, condenando, sem seletividade
nem hipocrisia, as violações onde quer que ocorram, na Líbia, no
Iêmen, em Bahrein.
As primeiras declarações da presidente Dilma fizeram nascer a
expectativa de que Brasília se afastaria do oportunismo calculista do
governo passado. É uma pena que, no primeiro teste difícil, a
diplomacia comece a desapontar nossa esperança.