O diretor-geral do Senado, José Alexandre Gazineo, comanda
10 000 servidores, um orçamento de 2,7 bilhões de reais,
tem poder, influência e acesso aos arquivos que mostram irregularidades de senadores e funcionários
Otávio Cabral
Fotos Alan Marques/Folha Imagem |
O CÍRCULO VICIOSO Renan Calheiros (no centro), que nomeou a sogra de seu assessor como "fantasma", beneficiou-se por catorze anos da gestão de Agaciel (à dir.), demitido por ocultar a posse de uma mansão milionária; este, por sua vez, indicou Alexandre Gazineo (à esq.) para substituí-lo |
Este homem da foto ao lado é um personagem-chave para compreender a constrangedora rotina de escândalos que há mais de dois meses envolve parlamentares e funcionários do Congresso. José Alexandre Gazineo é diretor-geral do Senado – cargo que lhe permite centralizar decisões sobre investimentos, licitar obras, contratar servidores, fiscalizar gastos e administrar um orçamento de quase 3 bilhões de reais por ano. Nada acontece sem o aval do diretor-geral. Se um parlamentar requisitar o uso de um apartamento funcional, o pedido será analisado pelo diretor-geral. Se quiser contratar um amigo, parente ou apadrinhado político à custa dos cofres públicos, a indicação passará necessariamente pela mesa do diretor-geral. Da conta de telefone celular à sigilosa verba de gabinete dos senadores, todas as despesas, sejam elas lícitas ou ilícitas, estão sujeitas ao crivo e à aprovação da direção-geral. Com esse enorme rol de atribuições e lidando diretamente com exemplos e provas do desapego moral de alguns parlamentares, o cargo de José Alexandre Gazineo faz dele o guardião de segredos capazes de destruir biografias e fulminar mandatos – poder que lhe confere status e prestígio, mas, como mostram episódios recentes, também reserva a alternativa de trilhar o conveniente caminho da cumplicidade.
O que se conhece do histórico de Agaciel Maia, o antecessor de Gazineo, mostra como esse perverso mecanismo funciona. Demitido diante da revelação de que escondia da Receita Federal a propriedade de uma mansão avaliada em 5 milhões de reais, durante anos ele foi avalista das ações de um grupo político do PMDB que controla o Senado. Em Brasília, não são raros os casos de funcionários assalariados que conseguem construir patrimônios invejáveis apenas como servidores públicos. O ex-diretor-geral é um representante dessa turma bem-sucedida. Ex-datilógrafo, ele comandou a burocracia do Senado nos últimos catorze anos. Como gestor, inovou em algumas áreas. Diante da proibição de contratar parentes, por exemplo, Agaciel terceirizou a tarefa. Ao custo de milhões de reais, empresas de locação de mão de obra foram usadas para abrigar amigos e parentes de senadores e funcionários graduados. O ex-diretor indicava pessoalmente nomes e fixava o salário dos que seriam contratados – e que não precisavam comparecer ao trabalho. Prestando favores assim, ele construiu uma teia de relacionamentos importantes, capaz de mantê-lo no cargo, independentemente de quem assumisse a presidência do Congresso e das recorrentes denúncias de irregularidades administrativas. Agaciel só não resistiu ao caso da mansão secreta. Foi obrigado a se demitir, mas indicou como substituto seu assessor imediato, o advogado Alexandre Gazineo.
Não por coincidência, desde a saída do ex-diretor, o Senado foi atropelado por uma avalanche de denúncias. Descobriu-se que o senador Tião Viana, do PT, emprestou um telefone celular do Senado à filha para que o usasse durante uma viagem. A conta, paga pelo Senado, foi de 14.000 reais. Viana reconheceu o erro, devolveu o dinheiro e acusou Agaciel Maia de divulgar a história para constrangê-lo. O mesmo aconteceu com o tucano Tasso Jereissati, acusado de utilizar 500.000 reais do Senado para fretar aviões particulares em benefício próprio. Ele também acusou Agaciel Maia pelo vazamento. No rastro das denúncias apareceu até o senador Renan Calheiros, que mantinha em seu gabinete como funcionário-fantasma a sogra de um de seus assessores. A senhora era usada como laranja para engordar os vencimentos do genro-assessor. Renan, que preferiu manter silêncio sobre o caso, nem chegou a tentar responsabilizar alguém por seus erros – e nem colaria. Agaciel Maia e seus dossiês ajudaram Renan Calheiros a escapar do processo de cassação de mandato em 2007, quando ele foi investigado por ter as contas pessoais pagas por um lobista.
Alexandre Gazineo, o herdeiro do poder, da influência e dos arquivos de Agaciel, tem se comportado até o momento com discrição, o que não impede de ele ser chamado pelos desafetos de "Agazineo". O mesmo não se pode dizer de seu antecessor. Funcionário da gráfica do Senado, Agaciel está oficialmente licenciado, mas não deixou de frequentar seu antigo local de trabalho, o que tem provocado boatos. O ex-diretor-geral, que ganhou o apelido de Unabomber – terrorista que apavorou os Estados Unidos nas décadas de 80 e 90 enviando cartas contendo explosivos –, procurou senadores para prometer que ninguém precisa se preocupar. "Vou fazer uma quarentena silenciosa de pelo menos cinco anos", garantiu ele a um parlamentar. Nos encontros que vem mantendo com senadores mais próximos, o ex-diretor tem pedido ajuda para enfrentar os processos a que responde. Cita particularmente as investigações contra ele por parte do Ministério Público e da Receita Federal. Nada disse, porém, sobre o Tribunal de Contas da União. Talvez porque o responsável pelo caso seja Raimundo Carreiro, que, assim como Alexandre Gazineo, é seu ex-colega do Senado.