Esse negócio de Banco Central independente e autômato é coisa de pensamento neoliberal e subserviente. O que interessa é se as decisões do Banco Central vão ao encontro dos interesses de nosso país, coisa que não acontecia anteriormente.
Tombini: "ajustes moderados são convergentes com IPCA no centro da meta no fim de 2012".
Por Rolf Kuntz em 04/10/2011 na edição 662
Quem manda hoje no Banco Central, define a política de juros e orienta o combate à inflação? Durante oito anos o presidente Luiz Inácio Lula da Silva garantiu ao BC autonomia de fato para conduzir a política monetária e da contenção dos preços.
O compromisso foi assumido antes da posse, quando se decidiu entregar a tarefa ao banqueiro Henrique Meirelles. A decisão deu certo. O controle da inflação contribuiu para o aumento real de salários e facilitou a conquista do segundo mandato.
Mas o jogo parece estar mudando. Um corte de juros foi anunciado em 31 de agosto, no fim de dois dias de reunião do Comitê de Política Monetária (Copom). Parecia o ritual bem conhecido, exceto por um ponto: nos dias anteriores, a presidente Dilma Rousseff, o ministro Guido Mantega, da Fazenda, e até o ministro Fernando Pimentel, do Desenvolvimento, haviam praticamente anunciado o afrouxamento da política monetária.
A sequência dos fatos foi notada nos mercados, tanto no Brasil quanto no exterior. Na última semana de setembro, um artigo divulgado pela consultoria Tendências, do ex-ministro Mailson da Nóbrega, apontou uma “presidencialização” da política monetária. A especulação foi reforçada pelas autoridades – “Dilma e Mantega sinalizam que juros podem voltar a cair”, noticiou o Estado de S.Paulo em manchete no primeiro sábado de outubro (1/10). “Crise é chance de reduzir juro com cautela, afirma Dilma”, informou a Folha de S.Paulo, no mesmo dia, em tom mais cauteloso.
Validade das metas
O presidente do BC, Alexandre Tombini, o ministro da Fazenda e a presidente da República negaram o fim da autonomia. Além disso, reafirmaram mais de uma vez a manutenção do regime de metas de inflação, em vigor, com sucesso, desde 1999. Mas todo esse discurso foi insuficiente para eliminar as suspeitas de sujeição do BC, como em outros tempos, à orientação do Ministério da Fazenda, ou, muito mais provavelmente, da presidente Dilma Rousseff, Os frequentes pronunciamentos de ambos sobre a política de juros têm reforçado aquelas suspeitas.
Discutir quem manda no BC de nenhum modo é fofoca. Perguntar se o regime de metas continua em vigor é muito mais que um exercício acadêmico. As dúvidas sobre o regime ganharam novo suporte com o “Relatório de Inflação” que circulou na quinta-feira (29/9). O relatório, divulgado trimestralmente, é uma ampla exposição sobre as condições e as perspectivas da economia brasileira. Um resumo do cenário internacional enriquece os dados e permite uma avaliação mais completa da situação brasileira.
As perspectivas de inflação, no último relatório, são examinadas em três cenários. Somente um deles mostra a inflação no centro da meta – 4,5% –, no terceiro trimestre de 2013. Nos outros dois, a alta de preços acumulada em 12 meses só chegará ao ponto central num momento mais distante e nem sequer indicado nas projeções. O prazo para levar a inflação aos 4,5% vem sendo esticado há algum tempo e o compromisso, agora, parece mais frouxo do que nunca, embora o presidente do BC, em palestras, ainda insista na promessa de cumprir essa tarefa até o fim do próximo ano. Mas suas palavras na semana final de setembro – no Congresso Nacional e, depois, numa palestra em Curitiba – contrastam com os documentos oficiais do BC.
No dia seguinte à divulgação do relatório, jornais deram destaque à questão dos prazos. Alguns editores chamaram a atenção para a possibilidade de estouro do limite de tolerância, de 6,5%, no fim deste ano. Outros deram mais importância ao prazo para se chegar aos 4,5%. Este ponto é provavelmente mais importante que o anterior. Aqui, a questão relevante já não é o resultado final deste ano, mas a perspectiva de combate à alta de preços em 2012. A partir dessa discussão é possível ter uma base para saber se o regime de metas ainda vale, de fato, ou se é mantido apenas nominalmente.
Temas correlatos
Nesta altura, a discussão já ultrapassa a política monetária. A dúvida mais ampla é sobre a natureza da estratégia econômica. Segundo alguns economistas muito respeitados, o governo está mudando amplamente a política de combate à inflação e de crescimento. A intervenção protecionista na área industrial – com aumento de imposto para os veículos com menos de 65% de conteúdo nacional – é apontada como indicação de um retorno ao desenvolvimentismo adotado até os anos 1970. Reportagens e colunas interessantes sobre o assunto apareceram no Estadão e no Globo.
As afirmações sobre a adoção de um novo modelo de política econômica têm dependido, no entanto, principalmente de analistas citados pelos jornais. São opiniões e observações de profissionais de alta qualidade, mas é preciso mais do que isso. É preciso cavar informações dentro do próprio governo para mostrar de modo mais conclusivo como têm sido formuladas, por exemplo, as decisões de política monetária, ou como são entendidas internamente as medidas anunciadas como partes da política industrial. Se uma doutrina diferente vem sendo seguida ou está em elaboração, é preciso identificá-la com maior segurança. Talvez seja este, atualmente, o maior desafio para a reportagem econômica.
Nota final: é preciso separar duas questões muito diferentes. Uma coisa é decidir se a decisão de mudar os juros foi certa ou errada. Outra é determinar se o governo está implantando uma nova política econômica. A resposta positiva ou negativa à primeira questão independe da resposta à segunda, embora os dois temas estejam provavelmente relacionados.
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[Rolf Kuntz é jornalista]
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