Política
Sistema e pensamento sistémico.
“
Não é a vida que organiza a matéria, mas é a matéria que se organiza a si mesma”
Henri Atlan, 1992
Anteriormente a física clássica concebia o mundo fisico como sendo constituido por elementos separados. Actuamente, tudo o que anteriormente era concebido como elemento simples passou a ser compreendido como organização.
Um átomo, uma célula, a vida, e a sociedade são exemplos de organizações.
A palavra organização vem da palavra grega organon que significa instrumento.É através da organização, ou seja, do instrumento que o sistema expressa a sua identidade e funcionalidade, ou seja, expressa aquilo que lhe está destinado a desempenhar como totalidade complexa.
Segundo
Edgar Morin (1997) a organização é aquilo que liga os elementos entre si, que une os elementos com a totalidade e a totalidade com os elementos.
A organização liga, religa, transforma, produz e mantém. É a
organização que dá forma, no espaço e no tempo, a uma nova realidade,
a uma realidade complexa. É ela que possui um carácter regenerativo, organizador, um príncipio ordenador que garante a sua permanência e existência através da sua capacidade de
auto-organização.
Organização seria, portanto, aquilo que liga de maneira inter-relacionada elementos, acontecimentos e indivíduos diversos e que, a partir dessa ligação, passa a constituir uma totalidade. E de que maneira acontecem essas ligações? Mediante interacções organizacionais, retroacções reguladoras e comunicações informacionais que fazem com que os componentes estejam associados, dependendo da
qualidade da ligação que ocorre entre os elementos. Isto de certa forma leva a concluir que, se uma organização resulta de ligações que acontecem, ela é então o resultado de uma conjugação de acções ou de interacções. Resulta de acções ecologizadas, ou seja, se inter-relações. Para Edgar Morin, “
é a disposição de relações entre os componentes ou individuos que produz uma unidade complexa ou sistema, dotada de qualidades desconhecidas a nivel de componentes ou individuos”. O conceito de organização é original se concebermos a sua natureza física. “Ele introduz uma relação fisica radical numa organização antropo-social, as quais podem e devem ser consideradas como elementos transformadores d organização física” (Morin 1997). O conceito de organização
articularia, assim, não apenas a esfera antro-social com a esfera biológica, mas tambem ambas com a esfera física.
Por outro lado, é importante destacar que o conceito de organização não pode ser confundido com o cenceito de estrutura como muitas vezes ocorre. Para
Maturana e Varela (1997) a organização traduz o conjunto de relações ou interacções entre os componentes do sistema e caracteriza a classe à qual ele pertence, ou seja, se homem, mulher, cão, gato, piriquito, papagaio, etc. A estrutura seria, para esses autores, constituida pelos componentes fisicos e as relações que esses elementos estabelecem e que nos processos de auto-organização mudam continuamente de estado, ao mesmo tempo que conservam a organização em função da plasticidade do sistema e do meio.
Para continuar vivo, o sistema necessita que a sua estrutura, independentemente das mudanças que nela ocorram, conserve a sua organização que é, portanto, invariante. A estrutura é aquilo que é mutável no sistema. Ela ganha corpo, ou seja, é corporificada através da organização.
Por exemplo, uma cadeira é uma organização que possui determinados componentes e propriedades que a caracterizam para que a sua estrutura possa funionar como tal. A estrutura da cadeira pode ser de ferro, de madeira, de vime, ou de qualquer outro elemento, mas para continuar sendo cadeira, ela necessita manter os componentes, os elementos e as relações que a caracterizam funcionalmente como tal. Podemos cortar parte das pernas da cadeira, alterar a sua estrutura, bem como as relações entre os seus elementos constituintes, mas ela continuará sendo cadeira se preservar um mínimo de condições e de relações que a caracterizam desta forma. Mas, sabemos que uma cadeira não é uma mesa que, por sua vez, possui uma integralidade, uma identidade e/ou funcionalidade diferente e, portanto, caracterizam um outro tipo de organização.
Para compreender qualquer objecto é preciso mapear o seu
sistema relacional, ou seja, entender a configuração das suas relações; compreender, de maneira sistémica ou complexa, o seu padrão organizacional desde que este não seja destruido ou desde que se não destrua conjunto de relações que o configuram. Quando dissecamos uma célula, destruimos o seu padrão organizacional e o que pode ser conhecido a partir daí são os seus componentes e não mais a organização celular em si. Por exemplo, aao dissecar um sapo, numa aula de biologia, é possivel conhecer as partes, os seus componentes, a sua estrutura, mas não a dinâmica do todo que depende das relações entre as partes dissecadas. A perda da vida leva consigo a sua dinâmica organizacional. O sistema de relações é o garante da vida, da sua identidade e funcionalidade sistémica.
Voltando ao mundo da física clássica, sabemos que ele era constituido por objectos isolados submetidos a leis que eram universais como, por exemplo, a lei da gravidade. O facto de ser isolado indica que é fechado e distinto, assinalando-se que o observador não participava na sua construção. Ao ser fechado, indica tambem que possui uma natureza auto-suficiente independente do meio onde está inserido. Assim, não existiriam os fluxos nutridores, a interpenetração sistémica de energia, matéria e informação entre o objecto e o meio onde está inserido.
Mas, a partir da evolução da Ciência, em especial da fisica quântica, descobriu-se que os objectos não estavam separados uns dos outros, mas unidos por fluxos de energia e matéria em interacções constantes. Verificou-se que, para compreender o objecto, era preciso compreender também as inter-relações, ou seja, o seu
padrão organizacional. Tais descobertas provocaram uma profunda crise tanto no conceito de objecto como também no de elemento.
Segundo Morin, o que era objecto passou a ser explicado a partir de interacções, sendo estas constituintes da organização que o representa. Assim, para explicar o átomo era necessário explicar as interacções caracterizadoras da sua organização. O mesmo ocorre com as explicações a respeito da célula, a vida e da sociedade. Organização passou a ser a disposição das relações entre os componentes que, por sua vez, produzem uma
unidade complexa ou um sistema. Toda a organização é, portanto, dinâmica e activa, implicando a presença de interacções. É mais uma vez Edgar Morin quem nos ajuda, ao explicar que “
podemos conceber o sistema como uma unidade global organizada de inter-relações entre elementos, acções ou individuos, confirmando assim que o macroconceito sistema poderia também ser aplicado a todos os objectos da física, da biologia, da sociedade, da astronomia, etc".
Ludwig von Bertalanffy, autor da
Teoria Geral dos Sistemas (1986) define sistema como sendo um complexo onde a existência de interacções entre os componentes desempenha um papel fundamental. O macroconceito sistema implica a existência de um agregado de coisas, independentemente da sua natureza, um conjunto de relações entre os elementos e a existência de propriedades comuns compartilhadas. São essas
propriedadese em comum, produto das relações que se estabelecem entre as partes, entre os subsistemas constituintes, que permitem a ocorrência de processos de transicção de estruturas que passam de um nível inferior para outro superior, a partir de modificações ou transformações das suas propriedades. Sistémico é um adjectivo que deriva da palavra grega
systema que significa conjunto ou grupo. A palavra
sistema e o
pensamento sistémico já vinham sendo utilizados desde a década de 30, mas espalhou-se em diferentes direcções a partir dos anos 50, quando as concepções de
Bertalanffy se transformaram num movimento científico importante associado às contribuições posteriores da
teoria cibernética de
Norbert Wiener. São estes os dois teóricos pioneiros mais importantes na construção do pensamento sistémico a partir da década de 30. Mas foi Bertalanffy quem primeiro propôs a aplicação universal dos principios sistémicos aos diversos sistemas existentes. Assim, a sua teoria procurou transcender as fronteiras disciplinares ao dar um carácter de universalidade à noção de sistema. Foi tambem ele quem formulou, pela primeira vez, o conceito de sistema aberto ou de organização aberta. Edgar Morin, apesar de reconhecer o seu grande mérito, explica que Bertalanffy “não explorou teoricamente o termo sistema para além de algumas verdades holísticas”, reconhecendo que as ideias de organização e unidade complexa permaneceram embrionárias na sua teoria.
(continua)
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