Ela tinha o papel teórico de desempatar a decisão, já que, ou pelos votos ou pelas posições assumidas, considerava-se que mais uma vez o STF chegaria indefinido ao final de um julgamento. E, se a nova ministra pedisse vista do processo, colocaria uma insegurança jurídica formidável para as eleições municipais deste ano
O Supremo Tribunal Federal retomou o julgamento da constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa com dois ministros já tendo votado a favor de sua aplicação imediata, os ministros Luiz Fux, relator, e Joaquim Barbosa.
Ontem mais dois votos a favor foram registrados:os das duas ministras do Supremo, Rosa Weber e Cármem Lúcia.
Pelas declarações anteriores, e mesmo pelas observações que fizeram no julgamento de ontem, votarão contra a Lei da Ficha Limpa os ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello e Cezar Peluso.
O quinto voto contra seria o do ministro Marco Aurélio Mello, mas ontem havia a informação de que aderiria à maioria, que, como disse a ministra Rosa Weber, "é sábia".
A ministra não só votou a favor da Ficha Limpa, como pela sua aplicação imediata, e com palavras fortes que saíam de maneira suave na sua fala sulista. "A iniciativa popular resta como forma de soberania", afirmou em seu voto Rosa Weber.
Ela desenvolveu sua posição com base na tese de que, para garantir a lisura das eleições, a Constituição colocou como pressupostos para a elegibilidade a probidade e a moralidade.
A ministra retirou da inelegibilidade o caráter de sanção," especialmente sanção penal", reafirmando que a exigência de trânsito em julgado para tornar inelegível um candidato - com base em que os juízes que são contra a Lei da Ficha Limpa a julgam inconstitucional - não cabe no Direito Eleitoral, e sim no Penal.
"Um homem público não pode esperar o mesmo privilégio do cidadão comum", ressalvou a ministra em seu voto.
Para Rosa Weber, "o foco da inelegibilidade não é o indivíduo, mas a sociedade e a consolidação do estado de direito".
A ministra provocou uma boa discussão ao afirmar que a democracia "se concretiza em movimento ascendente, da base social às cúpulas que devem prestar ressonância às expectativas da população".
Ela lembrou que a Ficha Limpa é a quarta iniciativa popular a se tornar lei, "o que mostra o esforço hercúleo e a repulsa da população à imoralidade na política".
O ministro Dias Toffoli, o único a votar contra o projeto até o momento, havia dito em seu voto que "o discurso ético tem forte apelo nas instâncias extrajudiciais, e nós, magistrados da Suprema Corte, não ficamos alheios a esses processos. Falo da necessidade de o STF proteger a maioria dela mesma, o desagradável papel de restringir a vontade popular".
Quando deu o seu voto, Rosa Weber respondeu a essa tese dizendo que "a Lei da Ficha Limpa foi gestada no ventre moralizante da sociedade brasileira".
A discussão passou a ser, então, não pontual, mas conceitual. Houve quem dissesse que o Supremo Tribunal Federal tinha que ser "contramajoritário", seguindo a linha do ministro Dias Toffoli de "proteger a maioria de si mesma".
Ao que a ministra Rosa Weber contra-argumentou: "Sendo esta casa, como já foi dito hoje, contramajoritária, não deve ser pautada pelas demandas da sociedade, mas não deve ser insensível a elas. A Constituição é viva e há de se adequar e dizer ao que veio a seu tempo." O ministro Luiz Fux também tomou posição: "O tribunal ser contramajoritário para bater no peito não tem cabimento. Ele deve ser contramajoritário para conter o abuso do Legislativo contra o direito das minorias, não para ignorar os anseios da população." Na mesma linha, o ministro Ricardo Lewandowski argumentou: "Em caso de administração pública, em dúvida, pró-sociedade, não pró-réu".
O ministro Gilmar Mendes discordou com veemência: "E nosso dever, sim, é contrariar anseios da população, do contrário teremos plebiscitos a todo momento, pena de morte. Nosso papel também é proteger a maioria dela mesma, proteger preceitos civilizatórios." Outro ponto que provocou debate ontem foi a data a partir da qual as exigências deveriam valer.
Os ministros que são contra a Lei da Ficha Limpa consideraram que, somente a partir de sua aprovação pelo Superior Tribunal Federal, as novas regras deverão valer, mas esse não deve ser o pensamento majoritário.
A ministra Rosa Weber entrou nesse assunto de maneira indireta, afirmando que o principio da presunção da inocência é princípio cardeal do estado de direito. Mas ressaltou que ele tem formulação moderna "além do "em dúvida, pró-réu"".
Ela disse entender o princípio anglo-saxão de que a culpa deve ser provada acima de qualquer dúvida, "o que implica uma pressão maior sobre a acusação": "Essa exigência de prova é o núcleo duro da presunção de inocência." A ministra Cármem Lúcia foi mais explícita, afirmando que a vida pregressa "compõe a persona que se oferece ao eleitor", e que "não dá para apagar, a vida não se passa a limpo".
No que foi apoiada pelo ministro Ayres Britto, que aduziu: "Vida pregressa é história de vida."