Política
Sobre a redução do número de deputados
A redução do número de deputados da Assembleia da República entrou em força na agenda durante a semana passada. É um tema quente e recorrente, com adesão garantida sobretudo em momentos de crise. E, de facto, 230 deputados parecem excessivos para um país de 10 milhões. Para quê tanta gente com tantas mordomias e regalias? O problema é que este discurso dos malandros dos deputados é algo perigoso. Tende a subestimar o papel dos representantes da nação e, em última análise, o papel do Parlamento, a casa da democracia por excelência. Os tempos são de crise, mas poupar nos custos da democracia é uma prioridade algo duvidosa.
No entanto, para lá de tais considerações, importa sublinhar que a redução dos deputados tem implicações no pluralismo político e representatividade territorial do sistema eleitoral. Por um lado, os partidos mais pequenos teriam naturalmente maiores dificuldades em eleger. Por outro, seriam sobretudo os círculos eleitorais mais pequenos que mais sentiriam o efeito de tal redução. Os Açores, por exemplo, passariam a eleger 4 em vez dos actuais 5 deputados para a Assembleia da República.
Neste sentido, ou se opta pela redução do pluralismo e da proporcionalidade, ou uma revisão séria do sistema eleitoral seria incontornável. E é aí que a coisa se complica. Os sistemas eleitorais são mecanismos utilizados para converter os votos em mandatos. Tal conversão não é um processo simples. Como é sabido, depois das eleições não se atribui aos partidos a percentagem de deputados equivalente à percentagem de votos obtida. Os territórios são divididos em círculos eleitorais e as regras de conversão utilizadas podem ser as mais diversas.
Assim sendo, a redução do número de deputados só seria razoável introduzindo-se mecanismos que permitissem compensar as limitações que tal redução traria em termos de representatividade territorial e pluralismo. E existem mecanismos para todos os gostos. Por exemplo, o sistema eleitoral utilizado para as legislativas regionais nos Açores é elucidativo a este respeito. A introdução do círculo regional foi uma boa forma de impulsionar a presença dos partidos mais pequenos. Por seu turno, o facto de cada ilha desde sempre eleger à partida dois deputados é negativo para a proporcionalidade do sistema, mas é um mecanismo fundamental nos Açores para assegurar a representatividade territorial.
Como o caso açoriano demonstra, existem diversas soluções que podem ser utilizadas para adaptar o sistema eleitoral. Mas são opções sérias que devem ser bem ponderadas. E terão de ser relativamente consensuais, uma vez que o favorecimento de determinado aspecto funcionará sempre em prejuizo de um outro. Por exemplo, o favorecimento dos círculos mais pequenos implica que as razões de tal indução de desproporcionalidade sejam comummente aceites por todos os actores políticos. Importa também que tal desproporcionalidade não leve a situações em que o partido mais votado não obtém a maioria dos mandatos, destorcendo-se assim a lógica eleitoral.
Em suma, a redução do número de deputados sem impactos negativos em termos de representatividade territorial e pluralismo político implicaria certamente uma reforma no sistema eleitoral. Trata-se de uma questão que deve ser seriamente estudada e debatida, uma vez que determina o peso que cada voto, que cada força política e que cada região poderá ter no todo nacional. Assim sendo, a actual a sede de redução de deputados instalada por um contexto de crise económica se calhar não é o momento mais indicado para o fazer.
.Artigo publicado ontem no Açoriano Oriental
(Imagem: Com que então?)
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