STF A falta de compostura no tribunal
Política

STF A falta de compostura no tribunal


O DIA DE ÍNDIO DE
JOAQUIM BARBOSA

A descompostura quase provoca uma crise institucional no STF
por causa do destempero de Joaquim Barbosa – justo ele, um
ministro símbolo de coragem, cultura, inteligência e elegância


Alexandre Oltramari


Fotos Gustavo Miranda /Ag. O Globo
POLÍTICA NO TRIBUNAL
O ministro Joaquim Barbosa (à dir.) fez acusações sem provas ao presidente Gilmar Mendes: explosão de temperamento


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Em 200 anos de existência, o Supremo Tribunal Federal (STF) nunca testemunhara uma explosão de temperamento tão perturbadora. Na semana passada, durante uma rude discussão sobre a aposentadoria de servidores do Paraná, o ministro Joaquim Barbosa atacou o presidente Gilmar Mendes com uma série de acusações sem fundamento que ele leu em algum panfleto partidário. Joaquim Barbosa, culto, elegante, inteligente e corajoso relator do processo do mensalão, teve seu "dia de índio" – aquele costume civilizadíssimo de certas tribos do Xingu que concede a cada guerreiro um dia por ano em que ele pode gritar e ofender quem quiser sem sofrer retaliações.

A cena, transmitida pela tevê, começou quando Barbosa acusou Mendes de esconder informações dos colegas. Era falso. Barbosa desconhecia detalhes do processo porque estava de licença médica quando o caso foi julgado. A discussão já seria preocupante se terminasse aí. Mas ela continuou. Irritado com uma afirmação de Gilmar Mendes de que não tinha condições de dar lição a ninguém, Barbosa perdeu de vez a compostura. "Vossa Excelência está destruindo a Justiça deste país", acusou o ministro. "Vossa Excelência, quando se dirige a mim, não está falando com seus capangas de Mato Grosso, ministro Gilmar." Mato Grosso é o estado natal do presidente do STF. Capanga é como são chamados os pistoleiros que agem ali.

A maneira inadequada com que o ministro Barbosa expôs suas divergências com o presidente do STF quase mergulhou a corte numa crise institucional. Terminado o bate-boca, o ministro se retirou do STF sem falar com ninguém. Seus colegas, porém, realizaram uma reunião fechada em busca de solução para o conflito. Houve quem defendesse a abertura de processo contra Joaquim Barbosa e até se falou na possibilidade de seu impeachment. Afastada a sugestão mais radical, os ministros discutiram uma moção de censura pública contra Barbosa, mas também não houve consenso. A tese que prevaleceu, depois de três horas de discussão, foi a diplomática. Os ministros decidiram prestigiar Mendes, por meio de uma nota na qual lamentam o episódio e reafirmam sua confiança nele, sem mencionar uma palavra sobre o comportamento de Barbosa. Em almoço com dois colegas no dia seguinte, Barbosa admitiu que se excedeu, principalmente ao acusar o presidente do STF de possuir "capangas", mas descartou a possibilidade de se desculpar publicamente pelo episódio. O presidente do STF, por sua vez, também preferiu encerrar o caso. "Não há crise, não há arranhão. A imagem do Judiciário é a melhor possível", disse Mendes.

Ao contrário do que a altercação da semana passada sugere, Mendes e Barbosa têm muitos pontos de comunhão profissional e pessoal. Ambos estudaram na Universidade de Brasília, ingressaram no Ministério Público por concurso e complementaram seus estudos no exterior. A dupla também comunga o mesmo temperamento explosivo, embora esse traço de personalidade seja mais visível em Barbosa, que já se desentendeu com sete de seus colegas no STF e no Tribunal Superior Eleitoral. Mendes, ex-assessor de Fernando Henrique Cardoso e ex-ministro da Advocacia-Geral da União, foi indicado pelo presidente tucano em 2002. Barbosa, filho de pedreiro, que sempre estudou em escola pública, recebeu a toga de Lula em 2003. Foi escolhido por seus inegáveis méritos jurídicos, mas também pela disposição do presidente da República de nomear alguém com o perfil de Barbosa.

As rusgas entre Mendes e Barbosa, evidentemente, afloraram muito mais pelo que os separa do que pelo que os une. Ambos têm visões de mundo antagônicas. Considerado um elitista pelos adversários, Mendes costuma ser criticado pela maneira arrogante com que expõe suas ideias em público. Deve-se a ele, contudo, o recente desmonte do estado policial que começava a fincar estacas no coração da democracia brasileira. Já Joaquim Barbosa é considerado um procurador da República disfarçado de ministro. Ele acha que o clamor popular deve ser levado em conta pelos juízes, principalmente quando se trata de punir ricos e poderosos, e discorda das críticas que Mendes tem feito à Polícia Federal e ao Ministério Público. O ministro terá uma chance e tanto de colocar em prática suas convicções. Ele é o relator do processo criminal contra os 39 réus do mensalão, o esquema petista que desviava dinheiro público para corromper parlamentares no Congresso em troca de apoio ao governo. Barbosa já deu sinais inequívocos de que dará uma lição de isenção e coerência no caso do mensalão – este, sim, fornido de provas.


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