Política
Surpresa de outubro Merval Pereira
NOVA YORK. Só se fala nisto nos últimos dias. Com a situação econômica dominando o debate político e fazendo com que a vantagem do candidato democrata, Barack Obama, aumente a cada dia — ontem, pela primeira vez, ele chegou a ter mais de 300 votos eleitorais pelas pesquisas, 30 a mais do que o necessário para ser eleito em 4 de novembro —, o que poderia fazer o republicano McCain virar o jogo a 20 dias da eleição? Hoje, na Universidade Hofstra, em Hempstead, no Estado de Nova York, nada indica que o último debate entre os candidatos marque essa virada, embora seja previsível que McCain surja mais agressivo do que o habitual, e leve para o debate as acusações que vem fazendo em suas propagandas pela televisão, especialmente a suposta ligação com o ex-terrorista Bill Ayers
Mas o que a campanha de Obama teme é a “surpresa de outubro”, um fenômeno bem americano que tem marcado as eleições, especialmente as presidenciais. Trata-se de um acontecimento, geralmente ligado à política externa ou à segurança nacional, com capacidade de influir no resultado da eleição que, no caso da escolha do presidente, acontece sempre na primeira terça-feira de novembro. Os fatos políticos acontecidos no mês de outubro são sempre importantes, portanto, na decisão do eleitorado.
A mais característica delas aconteceu em 1980, quando o então presidente Jimmy Carter tentava a reeleição. Os jornais começaram a especular que uma nova operação de resgate estaria sendo preparada para tentar libertar reféns americanos que estavam desde novembro do ano anterior prisioneiros de estudantes radicais na embaixada americana em Teerã. Uma ação militar bem-sucedida às vésperas da eleição presidencial certamente colocaria em boa situação o presidente Carter, cujo governo havia levado a efeito, no início daquele ano, uma operação militar com o mesmo objetivo, que acabou frustrada.
Os reféns foram libertados somente em janeiro de 1981, no exato dia em que Ronald Reagan tomava posse, o que gerou uma outra “teoria da conspiração”. Segundo ela, temendo que desse certo uma última cartada de Jimmy Carter, o candidato republicano Ronald Reagan teria feito um acordo com o novo governo iraniano dos aiatolás, especialmente através dos contatos de seu candidato a vice, George Bush pai, que foi diretor da CIA, para que os reféns só fossem libertados depois das eleições.
Essa hipótese chegou a ser investigada por comissões no Congresso, mas nada ficou provado.
Existem outros exemplos de “surpresas de outubro” nas eleições presidenciais americanas, desde o anúncio, no dia 31 de outubro de 1968, pelo então presidente Lyndon Johnson, de que os bombardeios no Vietnã seriam suspensos devido a progressos nas negociações de paz. A guerra não terminou e o candidato republicano Richard Nixon venceu as eleições.
Mais recentemente, na reeleição de George Bush, a rede de TV Al Jazeera divulgou, em 29 de outubro, um vídeo em que Bin Laden acusava o governo Bush e a posição americana no conflito árabeisraelense pelos atentados de 11 de setembro de 2001. O vídeo ajudou a campanha de Bush, que se baseava principalmente na guerra contra o terrorismo, pelos atentados, e foi um episódio considerado decisivo na derrota do democrata John Kerry.
Precavido, este ano o candidato Barack Obama quer fazer a sua própria “surpresa” e comprou meia hora de horário nacional em duas cadeias de televisão para fazer um programa, no dia 29 de outubro, que marca o início da Grande Depressão em 1929.
Vai certamente explorar as datas e as crises econômicas, e terá que se colocar mais como Franklin Roosevelt, que assumiu em 1932 e fez o New Deal, do que como Hoover, que presidia o país naquela “quinta-feira negra”.
O que se pergunta é qual seria uma “surpresa” capaz de mudar o quadro eleitoral atual, que parece consolidado a esta altura da campanha em favor do democrata Barack Obama, especialmente depois que a crise econômica dominou o debate político.
Bem que o republicano McCain tentou ficar longe da discussão econômica, e levou sua campanha para uma operação de desconstruir Obama com ataques ao seu passado, que seria tão desconhecido quanto perigoso.
As relações com políticos radicais como o ex-terrorista Bill Ayers ou o pastor Jeremiah Wright foram exploradas ao máximo, especialmente pela candidata a vice Sarah Palin, e os ânimos chegaram a ficar exaltados em alguns comícios, com partidários republicanos xingando Obama, classificando-o de “árabe” e “terrorista”. A tal ponto que o próprio McCain pareceu ter-se assustado com o clima e pediu a seus correligionários que respeitassem o adversário.
O fato é que McCain teve que entrar no assunto que realmente está interessando aos eleitores americanos, e ontem apresentou um plano econômico que, como o de Obama no dia anterior, promete proteção completa aos investimentos da classe média.
Mas o único ponto em que o republicano continua vencendo Obama nas pesquisas é o da segurança nacional, em que ele mantém uma dianteira de dez pontos.
No geral, é Obama quem está à frente, com dez pontos de vantagem na maioria das pesquisas, e vencendo em estados onde os republicanos geralmente venceram nas últimas eleições, como Colorado, Ohio, Flórida, Nevada.
Missouri e Virgínia.
Qual seria a “surpresa de outubro” que poderia reverter esse quadro? Um ataque dos Estados Unidos ao Irã, ou um ataque ao Irã por parte de Israel, com o apoio americano, ainda é uma das melhores apostas.
Mas ontem surgiu no cenário o boato de que o governo Bush está fazendo ações militares para tentar prender ou até mesmo matar Bin Laden antes das eleições, o que poderia reacender o espírito patriótico dos americanos.
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