Tentando ser florentino, Gaspari ainda acaba na Sicília- Reinaldo Azevedo
Política

Tentando ser florentino, Gaspari ainda acaba na Sicília- Reinaldo Azevedo


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Reinaldo Azevedo
quarta-feira, 14 de outubro de 2009
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Elio Gaspari chama o PT de “comissariado”, Lula, de Nosso Guia e faz uma ou outra ironia com a companheirada. Alguns confundem com zelo de justiça. Visto tudo de perto, parece ser apenas o desejo de educar a rapaziada. Talvez considere que falta aos petistas um estilo, assim, mais florentino e menos siciliano, o que, parece, o colunista poderia lhes emprestar. O cuidado a ser tomado é para a operação não sair às avessas. Em vez de os petistas aprenderem as artes de Florença, Gaspari é que acaba se encantando com os métodos da Sicília. Na sua coluna de hoje, desenhou um gato escondido com o rabo de fora. Finge que, no que chama de “briga” entre Roger Agnelli, presidente da Vale, e o governo, não torce para ninguém. Bem, ele torce. Mais um pouco, e ele escreve uma coluna defendendo a medida do governo argentino contra a imprensa. Ele em vermelho; eu, em azul.

HÁ MUITO TEMPO não aparecia uma briga tão interessante como a da Vale com o comissariado petista. A mineradora é a segunda maior empresa do país, emprega 53 mil pessoas e em 2008 lucrou R$ 21,3 bilhões. Seu negócio é vender minérios e a briga destina-se a decidir quem manda nela.
Existe uma lei que determina quem manda lá. Não está sob disputa nem sub judice. Como o governo não pode baixar o porrete e tirar Agnelli da empresa, recorre à pressão pública, por intermédio da imprensa. Agora com o apoio de Gaspari.

A Vale foi privatizada em 1997. Num lance exemplar da privataria tucana, o dinheiro da Viúva continua lá, mas a senhora não manda. Somando-se as participações de seus fundos de pensão (Previ e Funcef) à do velho e bom BNDES ela teria votos suficientes para mandar na empresa, caso se tratasse de uma padaria. Um acordo de acionistas entregou o leme da Vale ao Bradesco, que tem 21% do capital votante. Foi do Bradesco que saiu o atual presidente da empresa, Roger Agnelli, em cujo mandarinato dobrou-se a produção e quintuplicou-se o lucro.
Vários equívocos de cambulhada, disfarçados no estilo circense. Para começo de conversa, o dinheiro dos fundos de pensão não são “seus” (dela, “da viúva”), mas dos funcionários do Banco do Brasil e da CEF. A menos que eles todos pertençam à viúva como os soviéticos pertenciam a Stálin. O velho e bom BNDES cumpriu a sua função quando participou das privatizações, como cumpre ainda hoje quando atua como banco de fomento, não como banco comercial. Justamente porque a Vale não é uma padaria, entendeu-se que o controle privado faria bem à empresa. E fez, como reconhece Gaspari. Sob a gestão — e não o “mandarinato”, que tem sentido pejorativo — de Agnelli, a companhia apresenta um resultado fabuloso. “Privataria” por quê? Em tempo: o BNDES não poderia ter entrado na compra da Brasil Telecom pela Oi antes mesmo de haver uma lei que autorizasse a operação. E entrou. Não me lembro de Gaspari ter protestado, mas talvez esteja enganado…

Apesar desses resultados fantásticos, a Vale carrega a urucubaca de exportar minério e importar navio. A empresa está fechando um negócio de US$ 1 bilhão com a indústria coreana, mas quem conhece as mumunhas do cartel naval brasileiro acha que ela faz muito bem.
Ah, faz? Então qual é o busílis? Na próxima coluna, ele vai defender que se comprem 50 milhões de uniformes, a R$ 100 cada jogo, mas só de empresa brasileira? Será a reserva de mercado da malha…

Lula e Agnelli estabeleceram uma relação afetuosa. O empresário entrou na vaquinha que pagou a reforma do Alvorada, recrutou diretores no BNDES e tornou-se figura fácil nas celebrações do Planalto. Esqueceu-se que Nosso Guia é um urso devorador de donos.
As qualidades do urso, parece, são apreciadas pelo colunista. Qual é o ponto? Gaspari está acusando Agnelli de subserviente? Mas não é exatamente de falta de subserviência que o acusa em seguida?

Em dezembro de 2008, num episódio inesquecível, Agnelli propôs o congelamento de um pedaço da legislação trabalhista (”medidas de exceção”) para conjurar a crise. Em seguida a Vale iniciou uma política de demissões que já desempregou mais de 2.000 pessoas. Lula reclamou das medidas, contrariado porque não o avisaram. Olhando-se a crise pelo retrovisor, fica entendido que a diretoria da Vale apavorou-se.
É, no mínimo, irresponsável, sem ter em mãos os dados, afirmar que a diretoria “apavorou-se”. As informações sobre a queda no consumo de aço, por exemplo, está disponível em qualquer site especializado. Gaspari está confundindo aço com gôndola de supermercado. Mas vá lá. Ainda que Agnelli tivesse errado, é Lula quem deve demiti-lo?

Assim como sucedeu com as empresas de telefonia, os comissários dos fundos de pensão começaram a se desentender com os controladores da empresa. Como o Bradesco não é nenhum Daniel Dantas, a briga será boa. Ela melhorou com a entrada em cena de um novo ator, o magnata Eike Batista.
Batista e Agnelli são empresários-celebridade. Em uma semana o presidente da Vale fala mais que Augusto Trajano de Azevedo Antunes, o grande potentado do minério brasileiro, em todos os seus 90 anos de vida. Eike Batista, o fulgurante bilionário do conglomerado dos X, faz força para ser Warren Buffett, mas a cada dia parece-se mais com Donald Trump. Ele quer comprar uma parte das ações do Bradesco, senão todas. Numa trapaça da história, Eike é filho do grão-duque da Vale estatal, o engenheiro Eliezer Batista.
Falta dizer com todas as letras que Eike Batista está operando numa ação concertada com o governo para destituir o presidente de uma empresa com gestão privada — já que Gaspari a trata apenas como uma estatal. Decretar o empate entre Agnelli e Eike Batista no quesito “celebridade” é, obviamente, exagero de quem quer igualar desigualdades. Qual é o signo de Agnelli? Não sei. Eike é escorpião. E que se note: Gaspari acha que o presidente da Vale deveria agüentar a pressão calado, de modo bem disciplinado, como um soldado.

Brigas desse tipo estimulam uma tendência para se tomar partido logo que o jogo começa.
A isenção de Gaspari é comovente, não é mesmo? Será que imagina seu leitor tão imbecil assim?

É muito melhor acompanhá-las dando razão aos dois lados.
Uma frase para entrar para a história. Dou razão a quem está legalmente no comando da empresa e apresenta resultados fabulosos.

A Viúva tem as ações e não manda? Os fundos de pensão querem mandar para mensalar a Vale? Eike Batista sentado no conselho da empresa terá mais a oferecer que os atuais mandarins? Ele viria a ser a esperada figura do bilionário-companheiro do PT? Se a Vale despejar dinheiro em projetos industriais brasileiros fará bem ao país ou à megalomania dos sábios do Planalto?
Quem veio primeiro, Gaspari? O ovo ou a galinha? As outras estatais ou empresas de administração estatal deixam claro o cuidado dos companheiros… Esse negócio de fazer indagações ao leitor é como fugir do trabalho. Ele paga para ter respostas — ainda que erradas.

Uma coisa é certa: a permanência ou a saída de Agnelli na presidência da Vale é uma irrelevância diante da verdadeira briga, pelo controle da segunda empresa do país. A primeira é a Petrobras e já está dominada.
Como se nota, a palavra “dominada” é ambígua o bastante para sugerir tanto o domínio da Petrobras pela estimada (por Gaspari) viúva como pelo comissariado. Sem dúvida, a estatal do petróleo tem um “dono”. E este será o destino da Vale se Lula for bem-sucedido.

A disputa em curso na Vale é outra. Trata-se de saber até onde pode chegar a sanha de controle do PT. Lula está exercendo o seu lado Christina Kirchner. Aguardemos um texto do companheiro Gaspari, nos próximos dias, explicando por que a presidente da Argentina só está fazendo justiça… Ou, de acordo com o estilo inaugurado acima, seremos convidados a não torcer por ninguém…

Não sei o que leva certas inteligências ao naufrágio. Só sei que isso acontece.




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