A hora da solidariedade Um exército de voluntários socorre os desabrigados
O dilúvio no qual submergiram o litoral catarinense e o Vale do Itajaí deve entrar para a história como a maior tragédia do estado. Na última sexta-feira, o número de mortes confirmadas chegou a 119. A Defesa Civil contabiliza 31 desaparecidos. Dados extra-oficiais indicam que outras cinqüenta pessoas desapareceram na enchente. A interrupção das chuvas permitiu que as buscas avançassem, mas as autoridades supõem que muitas das vítimas que foram soterradas jamais serão encontradas. Ainda há 33 000 pessoas desabrigadas ou desalojadas na região, mas a maioria dos que tiveram de abandonar suas casas já está de volta a seus lares. Neles, falta água potável. A infra-estrutura das cidades foi arrasada e o medo de uma nova catástrofe permanece. Na noite de terça-feira, uma chuva de meia hora sem maiores conseqüências trouxe o pânico de volta a Itajaí. Seis mil voluntários socorrem os flagelados. Esse exército é formado por bombeiros, funcionários municipais e civis que acorreram à região da enchente para auxiliar as vítimas. Muito do ânimo e do bem-estar dos atingidos depende dessa rede de solidariedade formada espontaneamente. O contingente que percorre a cidade de Itajaí entregando alimentos é composto de cidadãos como Wander Menes, empresário de Sorocaba, no interior paulista. Wander, de 42 anos, passou 22 verões nas praias catarinenses. Inscreveu-se na Defesa Civil como voluntário tão logo soube da tragédia. Mesmo sem ser chamado, viajou para Itajaí em seguida. Na mesma cidade, o gaúcho de Gravataí Biuthier Tavares, de 27 anos, dedica-se a ajudar 120 pessoas que foram alojadas em uma escola municipal. "Tentamos criar um ambiente habitável", diz Biuthier. Paulistana, a enfermeira Viviane Morilla, de 47 anos, mora em Vancouver, no Canadá. Viria ao Brasil para visitar parentes. Comovida com a tragédia em Santa Catarina, substituiu o descanso pelo trabalho de voluntária em Blumenau, uma das cidades mais atingidas. "Gostaria de ajudar em algum hospital ou centro de saúde, mas onde me puserem eu fico", diz. Do país inteiro, chegam doações, mantimentos e dinheiro. O Vale do Itajaí já recebeu 2,5 milhões de toneladas de alimentos, 1,5 milhão de litros de água e 180 toneladas de roupas. Móveis, utensílios de cozinha, colchões, produtos de higiene e remédios também chegam em grande volume, empacotados em caixas. Muitos são acompanhados de mensagens de apoio. Em Blumenau, o complexo de galpões onde se realiza a Oktoberfest foi convertido em centro de doações. Os homens descarregam os caminhões e as mulheres empilham os donativos. A quantidade de doações é tamanha que o governo catarinense passou a pedir aos outros estados para atrasar as remessas. Faz isso porque, embora grande, o número de voluntários ainda não é suficiente para manusear e distribuir tudo o que chega. As doações em dinheiro também são vultosas. Os depósitos realizados nas contas bancárias da Defesa Civil catarinense somam 18,2 milhões de reais, mais do que a arrecadação do Criança Esperança, iniciativa da Rede Globo e da Unesco. Agora, a maior preocupação do governo local é tentar evitar surtos de pestes e doenças infecciosas que podem ser provocados pela enchente. Já há 312 casos suspeitos e treze confirmados de leptospirose, uma infecção grave transmitida pela urina de ratos. Teme-se, ainda, a irrupção de pneumonia, hepatite A e doenças intestinais. A Aeronáutica deslocou uma equipe de 42 médicos e enfermeiros para reforçar o atendimento aos doentes em Itajaí. A economia catarinense está ameaçada de adernar na inundação. Novas estimativas indicam que os prejuízos já se aproximam dos 3 bilhões de reais. A maior parte deles, ou 1,4 bilhão de reais, está relacionada ao Porto de Itajaí. Ele teve avarias em três de seus quatro berços de uso público. Os consertos mais urgentes e a dragagem estão estimados em 350 milhões de reais. A Secretaria Especial de Portos afirma que deixará o Porto de Itajaí transitável em trinta dias. A paralisação atrapalha as exportações e tem um impacto profundo sobre a população local. Vinte mil pescadores passaram dias parados. Um ramo do gasoduto Brasil–Bolívia que passa por Blumenau foi danificado. Por isso, empresas têxteis como a Karsten estão comprando gás de cozinha nos estados vizinhos para mover seus teares. O governo estadual prevê que a arrecadação de impostos cairá 100 milhões de reais em dezembro por causa da tragédia. O turismo pode aliviar o drama, mas pouco. Neste verão, o número de visitantes não deve ultrapassar 4 milhões, metade do recebido em 2007. Os catarinenses têm de torcer para que o sol brilhe. O estado espera até hoje a liberação de 5 milhões de reais prometidos pelo governo federal para aplacar os efeitos de uma enxurrada do Carnaval passado. Santa Catarina ainda não viu esse dinheiro por causa de trapalhadas burocráticas. Agora, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva prometeu acudir os desvalidos com cerca de 2 bilhões de reais. A União enviou 17 toneladas de remédios, 500 toneladas de alimentos, mas até agora pouquíssimos reais. A primeira remessa, de 45 milhões, saiu quando os desalojados já voltavam para casa. Os 100 milhões de reais destinados a remédios, postos de saúde e hospitais devem chegar apenas nesta semana. A morosidade não se deve apenas à burocracia brasiliense. Muitas vezes a população não é atendida por causa da incompetência das autoridades estaduais e municipais. Brasília alega que o dinheiro atrasa porque os prefeitos não entregam os papéis necessários. O governo já chegou a exigir 35 documentos para liberar verbas em casos de calamidade. Hoje, são quatro. A lentidão nos gabinetes e a negligência são uma punição extra para quem passa por tragédias como a de Santa Catarina.
Com reportagem de Sandra Brasil
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O maior prejuízo
Boa parte das instalações de Itajaí, o maior porto pesqueiro do país e segundo em circulação de contêineres, foi destruída e seus canais, assoreados pelas chuvas |