Política
Treme-treme Celso Ming
O Estado de S. Paulo - 19/08/2011
Ontem, o primeiro presidente da Comissão Europeia, Jacques Delors (foto), fez duas afirmações demolidoras sobre a crise da Europa: (1) as decisões anunciadas terça-feira pela chanceler da Alemanha, Angela Merkel, e pelo presidente da França, Nicolas Sarkozy, "não valem nada"; e (2) "a Europa e o euro estão à beira do precipício".
Delors não é um nativo gaulês qualquer. É um dos personagens-símbolo da integração europeia. E fala pouco. Quando o faz, produz conteúdo e consequência. E o principal resultado de sua fala, repercutida ontem, foi o treme-treme dos índices das bolsas em todo o mundo e a derrubada das cotações dos bancos europeus.
Esses efeitos aconteceram apenas secundariamente por essas declarações. As causas principais são conhecidas: a percepção geral de que a estagnação das economias dos países ricos se aprofunda; um aumento desanimador do desemprego nos Estados Unidos e na Europa; e a visível deterioração dos ativos dos principais bancos americanos e europeus, à medida que as dívidas dos grandes clientes vão sendo rebaixadas.
Sobre a estatura dos atuais chefes de Estado, também dessa vez Delors deu a entender coisa com coisa. A impressão geral é de que os dirigentes europeus são pequenos demais diante do tamanho da tarefa a cumprir. Seu campo de visão não ultrapassa o calendário das campanhas eleitorais regionais seguintes.
Terça-feira, Merkel e Sarkozy ainda foram na direção correta, a criação de mecanismos que garantam um mínimo de governança comum da área do euro e do aumento de receitas do bloco. Mas apontaram para um cronograma muito esticado ante a urgência de uma solução. Delors resumiu tudo com uma frase contundente: "São decisões que não valem nada".
É por isso que a pretendida criação de um eurobônus, rechaçada por Merkel e Sarkozy, forçaria um desfecho. Em princípio, não seria preciso esperar até que todos os parlamentos nacionais da zona do euro sacramentassem a novidade - o que já não seria fácil. Se Alemanha, França e mais dois ou três sócios aderirem à criação de uma dívida comum, seria altamente provável que os outros corressem para tomar o mesmo trem.
Uma dívida comum exigiria administração orçamentária integrada e, além disso, coordenação política muito mais estreita. Em compensação, os juros dessa dívida poderiam cair para menos de 2% ao ano, muito abaixo dos mais de 6% ao ano que vêm sendo cobrados das dívidas da Espanha e da Itália, por exemplo.
Paradoxalmente, um precipício a dois passos pode ajudar. A Europa quase sempre avançou quando movida a catástrofes. Foi a ameaça dos horrores de novas guerras, de novas ditaduras avassaladoras e de novos processos de hiperinflação que levaram ao atual estágio de integração que começou em 1951, com a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço.
É por isso que a visão do abismo apontado por Jacques Delors pode ser a ameaça capaz de, finalmente, empurrar os 17 países do arquipélago do euro para uma integração de soberanias: "Ou os Estados-membros aceitam a cooperação econômica reforçada, que sempre reclamei, ou se transferem poderes suplementares à União", disse ele.
Enquanto essa integração não chega, o euro e o resto do mundo viverão aos solavancos, de turbulência em turbulência, até o desfecho final.
CONFIRA
Mais devagar
Tampouco significa que o bom desempenho seguirá nos próximos meses. As receitas atípicas da Cofins e da CSLL não deverão se repetir. E, se a desaceleração do consumo e da produção se confirmar, a arrecadação também crescerá menos.
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