SÃO PAULO - Há um triunfalismo exorbitante na cobertura jornalística
dos acontecimentos gravíssimos no Rio de Janeiro. Na sua primeira
página de ontem, o jornal "O Globo" estampou, em letras garrafais: "O
Dia D da guerra ao tráfico".
A comparação, ou "semelhança simbólica", entre a ocupação da Vila
Cruzeiro, anteontem, e o desembarque das tropas aliadas na Normandia,
impondo a derrota aos nazistas, é um despropósito, um disparate
histórico, além de factual.
Vale lembrar: no dia 21 de abril de 2008, o Bope pendurou na parte
mais alta da mesma Vila Cruzeiro a sua bandeira preta com a caveira no
centro. A tropa de elite da polícia comemorava uma semana de ocupação
na favela. Falava-se então na apreensão de "três mil sacolés de
cocaína e 480 pedras de crack". Já vimos, pois, esse filme antes.
O que aconteceu desde então? As coisas agora são diferentes? Parece
que sim. A começar pelo emprego de armamentos de guerra e de efetivos
das Forças Armadas no cerco ao tráfico. Os bandidos também mudaram de
patamar: passaram a patrocinar ações típicas da guerrilha e do
terrorismo pela cidade.
Até prova em contrário, esses parecem ser sintomas do agravamento de
um problema, e não da sua solução. Curiosamente, o secretário de
Segurança do Rio mostra ter mais noção disso do que a mídia.
Por toda parte -TVs, jornais, internet-, há uma tendência compulsiva
para transformar a realidade em enredo de "Tropa de Elite 3", o filme
do acerto de contas final. A dramatização meio oficialista e meio
ficcional do conflito parece se beneficiar de uma fúria coletiva e sem
ressalvas dirigida aos morros, como quem diz: sobe, invade, explode,
arregaça, extermina!
É quase possível ouvir no ar o lamento pela ausência de traficantes
metralhados diante das câmeras. Até o momento em que escrevo, foram
incendiados 99 veículos e mortas 44 pessoas. Quantas eram marginais?
Quantas eram só pobres-diabos? E que diferença isso faz?