Um quarto dos mamíferos corre o risco de extinção
por culpa da ação humana. Estudo mostra que
é possível evitar essa catástrofe
Roberta de Abreu Lima
Kevin Schafer/Corbis/Latin Stock |
A comida sumiu |
A extinção de animais faz parte da evolução da vida na Terra, mas, desde que o bicho homem resolveu dar sua contribuição a esse processo, o desaparecimento de espécies tem se acelerado de forma preocupante. Na semana passada, foi divulgado o mais completo estudo sobre a situação dos mamíferos no planeta. O quadro que emerge da pesquisa é o mais sombrio já desenhado sobre essa classe de animais. Um quarto das 5487 espécies de mamífero classificadas pela ciência se encontra em risco de desaparecer. Isso significa 1141 espécies, quinze vezes mais do que o número de mamíferos extintos nos últimos cinco séculos. O estudo foi realizado pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), uma instituição composta de 11000 cientistas de 160 países. Alguns dos animais relacionados estão ameaçados de desaparecer por causas naturais. É o caso do diabo-da-tasmânia, um marsupial carnívoro que lembra um urso pequeno, que desenvolveu um tipo de câncer fatal que contagia os exemplares da espécie através do contato físico. Segundo os cientistas, porém, a grande maioria dos animais ameaçados é vítima da ação humana. "O perigo de extinção das espécies, hoje, decorre quase exclusivamente do desmatamento, que destrói os habitats, e da caça", disse a VEJA o biólogo sul-africano Mike Hoffmann, do departamento de biodiversidade da IUCN.
Calcula-se que o desmatamento atinja 40% dos mamíferos do mundo. As florestas são destruídas para dar lugar à expansão urbana e à agricultura, o que explica os altos índices de animais sob risco no sul e no sudeste da Ásia, onde as populações crescem em ritmo acelerado. Nessas regiões, 80% dos primatas podem desaparecer. A população de orangotangos-de-bornéu que habitam florestas da Malásia e da Indonésia resume-se a 14% da existente em meados do século XX. A outra grande ameaça às espécies, a caça indiscriminada, freqüentemente é praticada por total desconhecimento da importância da preservação desses animais. "Moradores de regiões remotas, que matam primatas e cervos para comê-los, não fazem idéia de que estão caçando espécies ameaçadas de extinção", explica a primatóloga inglesa Liza Veiga, que vive em Belém e participou do estudo da IUCN fornecendo informações sobre animais da Amazônia. "O cuxiú-preto, um macaco já próximo de desaparecer, é caçado para que seu pêlo seja usado na fabricação de espanadores", ela relata. O Brasil, com 82 espécies sob risco, está entre os países com o maior número de mamíferos ameaçados – perde apenas para a Indonésia, o México e a Índia.
Minden Pictures/Latin Stock | Vítima da urbanização |
Os mamíferos aquáticos encontram-se em situação ainda mais grave do que os terrestres: 35% das espécies correm perigo. Os especialistas acreditam que a proporção seja ainda maior. Isso porque estudar esses animais não é tarefa fácil. Os biólogos precisam passar longos períodos navegando. Hoje existem informações insuficientes sobre um terço dos mamíferos aquáticos. O declínio populacional de animais como golfinhos e baleias passa despercebido em 70% dos casos. Os principais fatores que levam os mamíferos aquáticos à morte são os acidentes ocasionados durante a pesca de outras espécies – eles são capturados e feridos nas redes – e a poluição das águas, geralmente causada pelo crescimento das cidades nas regiões costeiras. Outras ameaças aos mamíferos aquáticos são a destruição dos corais, que abrigam espécies que lhes servem de alimento, e os ruídos provocados por embarcações e sonares, que afetam seu sistema nervoso e interferem em sua comunicação.
Os últimos exemplares | Winfried Wisniewski/Minden Pictures/Latin Stock |
Embora as cifras mais alarmantes produzidas pela IUCN digam respeito aos mamíferos, o estudo contempla também pássaros, anfíbios, peixes, répteis, crustáceos, corais e plantas. No total, 38% das espécies do planeta correm o risco de desaparecer. O cenário futuro pode ser ainda pior, já que o grau de ameaça foi determinado, na maioria dos casos, sem levar em conta o aquecimento global, apontado como o grande vilão ambiental das próximas décadas. "A mudança climática ficou fora do cálculo porque, com exceção de alguns animais muito dependentes do gelo, como o urso-polar, as espécies ainda não sofrem seus efeitos", disse a VEJA o biólogo americano Thomas Lacher, da Universidade Texas A&M e colaborador da IUCN. O relatório deixa claro que é possível reverter o destino dos animais ameaçados. Alguns, entre eles o elefante africano, que até recentemente estavam sob grau elevado de ameaça de extinção (veja o quadro abaixo) foram reclassificados em categorias de risco menores, graças aos esforços de instituições que trabalham para preservá-los. São esforços que necessitam ser empreendidos em escala global.
O elefante africano se safou
Entre 1979 e 2007, a população do maior mamífero terrestre diminuiu 25% devido à caça ilegal, estimulada principalmente pelo comércio de marfim. Até o ano passado, o animal estava sob alto risco de extinção. Mas o aumento da população de elefantes no sul e leste da África fez com que a espécie fosse reclassificada em uma categoria de menor risco. O crescimento populacional do elefante é resultado da criação de leis de proteção em vários países africanos, como África do Sul, Zimbábue e Botsuana, e dos esforços para preservar seu habitat. Medidas semelhantes diminuíram o grau de ameaça de extinção de 36 outras espécies de mamíferos, como as zebras do sul da África e o cavalo selvagem da Mongólia. |
O calvário de cada um
Alguns dos mamíferos ameaçados podem desaparecer em conseqüência de causas naturais, como o diabo-da-tasmânia, mas a maioria é vítima da caça e da ocupação de seus habitats pela expansão urbana e pela agropecuária
Mark Kolbe/Getty Images |
O maior dos primatas
Em agosto, pesquisadores encontraram 125 000 gorilas-das-planícies no norte da República do Congo. Mesmo assim, eles continuam a correr risco de extinção. Nos últimos 25 anos, a população desse animal diminuiu devido à caça e a doenças como o ebola
R.P. Lawrence/Minden Pictures/Latin Stock |
Só no zoológico
Nativos da China, os cervos-de-père-david já não existem na natureza, apenas em cativeiro. Foram dizimados devido à caça e à destruição de seu habitat. Quando se reproduzirem em quantidade expressiva, serão reintroduzidos no ambiente selvagem
David Hewett/IUCN |
Doença fatal
Do tamanho de um cachorro pequeno, o diabo-da-tasmânia existe apenas na ilha australiana que lhe dá nome. Nos últimos dez anos, sua população se reduziu em 60%. Nesse caso, a culpa não é do homem. A espécie desenvolveu um tipo de câncer que impede os animais de se alimentar
John Chcalosi/Grupo Keystone |
Alerta máximo
O lince-ibérico é um dos 188 animais classificados na categoria de alto risco de extinção. Sua população não passa de 140 adultos, que habitam o sudoeste da Península Ibérica. Seu alimento favorito, o coelho europeu, está sumindo. Além disso, o lince é vítima da caça e de doenças
Evet Elzinga/AFP |
Iguaria à mesa
Natural do noroeste da Indonésia, o macaco-de-celebes é caçado para servir de alimento. Sua carne é apreciada na região. Como se não bastasse, seu habitat vem sendo destruído