São Paulo volta a ficar em suspense por causa de um serial killer que age na região metropolitana. Treze mortes depois, um suspeito está preso. Mas o que faz de alguém um assassino em série?
Laura Diniz
Montagem sobre fotos de Roberto Setton e J.F. Diorio/AE |
BOSQUE DA MORTE |
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Até o entardecer, o Parque dos Paturis, em Carapicuíba, quase na divisa com Osasco, é freqüentado por skatistas, famílias, casais de namorados e idosos. Muitos vão lá para caminhar à beira de um dos vários lagos espalhados por seus 250 000 metros quadrados de área verde. Assim que escurece, porém, o público dos Paturis muda rapidamente. Saem as famílias e as crianças e entram em cena os homens sozinhos. Com idade entre 20 e 50 anos, eles chegam a pé, de carro ou de bicicleta e rumam todos para um mesmo local: o bosque do parque, sem nenhuma iluminação, onde se paquera e se pratica sexo casual. Foi nesse bosque, perto da área das churrasqueiras, que treze homens foram assassinados entre julho do ano passado e agosto deste ano: doze a bala, um a pauladas. Apesar do curto espaço de tempo entre as mortes, da semelhança do modus operandi usado nos assassinatos e do fato de todas as vítimas terem o mesmo perfil (homens e freqüentadores do parque), foram necessários treze corpos para a polícia começar a suspeitar daquilo que hoje dá como praticamente certo: que está diante de um assassino em série, um serial killer, para usar a expressão inglesa já incorporada à língua portuguesa.
Há duas semanas, responsáveis pela investigação prenderam o sargento reformado da Polícia Militar Jairo Francisco Franco. Ele, que já vinha sendo investigado pela morte de um travesti com quem tinha ido a um hotel, em Osasco, é agora o principal suspeito de ser o "maníaco do arco-íris" – referência à predominância de homossexuais entre os freqüentadores do bosque. Caso a suspeita dos investigadores se confirme, estarão diante de alguém que muito provavelmente é um psicopata, sente prazer diante do sofrimento de suas vítimas, usa estratégias parecidas para atraí-las, recorre a algum tipo de ritual durante a execução e, depois disso, pode apropriar-se de um objeto do morto para guardá-lo como um "troféu". Essas são algumas das características que a ciência já conseguiu identificar nos serial killers – tecnicamente, todo assassino que mata duas ou mais pessoas, com um intervalo de dias, semanas, meses ou anos entre um crime e outro.
Somente a partir da década de 60 os assassinos em série começaram a ser estudados como uma categoria especial de criminosos. Desde então, sabe-se que o viés sexual, embora não seja a única de suas motivações, está presente na maioria dos casos. Por causa disso, um dos estudos mais abrangentes já realizados sobre o tema toma como base os chamados serial killers sexuais. O psiquiatra americano Michael Stone, da Universidade Columbia, de Nova York, estudou a biografia de 99 deles. Stone, o principal especialista nesse tipo de assassino serial, concluiu, entre outras coisas, que 90% dos analisados eram psicopatas, ou seja, portadores de doença mental desprovidos de emoções de natureza moral como remorso, culpa e compaixão. Os 10% restantes apresentavam outro tipo de doença mental ou podiam mesmo ser considerados sãos, do ponto de vista psiquiátrico. "Ao todo, 34% têm vida dupla: ou seja, são capazes de sustentar boas relações com algumas pessoas. Vivem em dois mundos, totalmente separados", disse o psiquiatra a VEJA. Stone também comprovou que cerca de metade dos serial killers sexuais é sádica.
Jorge Araújo/Folha Imagem |
"CAÇA-TALENTOS" |
Sexuais ou não, os serial killers costumam usar a mesma estratégia no planejamento de seus crimes: do tipo de arma a ser utilizada ao local em que cometerá o assassinato, passando pela maneira de abordar a potencial vítima, as escolhas, em geral, obedecem a um padrão. Francisco de Assis Pereira, o "Maníaco do Parque", por exemplo, apresentava-se como caça-talentos de uma agência de modelos. Com o pretexto de fotografar suas vítimas, mulheres jovens, ele as atraía para o Parque do Estado, em São Paulo, onde as violentava e enforcava. Pereira está preso desde 1998. O assassino em série, quase sempre, lança mão de um ritual para levar a cabo a execução: cria e ordena uma série de ações que aparentemente não fazem sentido, mas que, psicologicamente, ajudam a satisfazê-lo. Pode ser uma forma de amarrar a vítima, a maneira de feri-la ou o local onde ele inflige os ferimentos.
As vítimas dos serial killers têm sempre uma característica em comum que libera o instinto matador do criminoso. No caso de Francisco das Chagas Rodrigues de Brito, suas vítimas eram meninos de até 15 anos de idade que, de alguma maneira, o lembravam da própria infância, seja pela semelhança física, seja pelo abandono a que pareciam estar submetidos. Chagas matou 42 meninos no Pará e no Maranhão ao longo de mais de dez anos. Mantinha um ritual complexo: desenhava uma cruz no chão de terra e a cobria com o sangue das vítimas, cujo pênis cortava. Além disso, deixava os corpos quase sempre na mesma posição.
Depois de matar, o serial killer vive um momento de depressão. Isso se deve, segundo estudo do psicólogo americano Joel Norris, ao fim da grande excitação alcançada no instante em que ele consuma o crime. A vontade de amenizar esse sentimento de perda seria um dos motivos pelos quais a maioria dos serial killers sente necessidade de levar um pertence da vítima consigo. "Pode ser um objeto ou parte do seu corpo, que ele guardará como uma recordação e lhe permitirá reviver o momento da execução", explicou a pesquisadora Ilana Casoy, especialista em serial killers. Pereira, "o maníaco do parque", levou o RG de uma vítima e o sapato de outra. Francisco das Chagas, o matador de meninos, preferiu peças de roupa.
A atuação dos assassinos em série segue o mesmo modelo do vício, disse a VEJA o psicólogo Robert Hare, professor emérito da Universidade de British Columbia, no Canadá, e especialista em psicopatia. Com o tempo, é preciso emoções mais fortes para satisfazê-los, o que explica o fato de esses assassinos ficarem cada vez mais violentos. Como a "dependência" aumenta, ele passa também a diminuir o intervalo de tempo entre os crimes.
O ex-sargento Franco, suposto "maníaco do arco-íris", foi preso depois que a polícia ouviu uma testemunha que disse tê-lo visto disparando contra um homem negro com quem havia acabado de ter relações sexuais no bosque. O homem, a última das treze vítimas do Parque dos Paturis, morreu com sete tiros. O que leva a polícia a acreditar que o ex-sargento seja responsável também pelas mortes anteriores é o fato de elas terem ocorrido de forma bastante semelhante à última. "Esse assassinato aconteceu exatamente no mesmo local que os outros e o autor usou o mesmo modo de agir: deu tiros à queima-roupa na vítima, na região acima do tórax", disse o delegado Marcelo José do Prado, que investiga o caso. Das treze vítimas, apenas duas não foram mortas por um revólver calibre 38 – além do homem morto a pauladas (o que é um componente que destoa nesse quebra-cabeça), um segundo foi atingido por uma pistola semi-automática. Outra característica comum entre as mortes é que diversas vítimas foram encontradas com as calças abaixadas, na altura dos joelhos. A polícia não sabe se todas tiveram relações sexuais antes de morrer. A polícia também está levando em consideração os depoimentos de duas testemunhas que disseram que Franco é homossexual e era visto constantemente por lá.
Nos próximos dias, a polícia irá ouvir novas testemunhas que, segundo Marcelo Prado, podem dar mais informações sobre o suspeito. O delegado também espera o resultado dos exames balísticos para averiguar se o revólver calibre 38 utilizado por Franco na PM foi usado nos assassinatos. Caso as investigações confirmem as suspeitas sobre o ex-sargento, a polícia terá livrado a sociedade de mais um monstro. Do contrário, é provável que o Parque dos Paturis continue a ser o cenário macabro de novas mortes.
Com reportagem de Kalleo Coura