Os pós que reduzem ao pó
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Ficção e realidade |
Quem acompanha o noticiário pode ter a impressão de que o universo das drogas se restringe a produtores e traficantes. Nas reportagens, os consumidores, responsáveis por alimentar essa cadeia econômica criminosa, ora inexistem, ora são vistos sob a ótica do politicamente correto, cujas lentes tendem a minimizar o impacto destrutivo das substâncias entorpecentes ou alucinógenas sobre os próprios viciados, suas famílias e a sociedade. No entanto, relegar o fenômeno à fraqueza inerente à condição humana, como se ele não comportasse conseqüências funestas, é um equívoco. Mais do que nunca, dada a dimensão do problema, é necessário inculcar nos adolescentes que compõem a massa de potenciais usuários e nos indivíduos já viciados a noção de que, ao acender um cigarro de maconha ou cheirar uma carreira de cocaína, eles se tornam cúmplices dos bandidos que aterrorizam desde a Amazônia até as favelas das cidades brasileiras. O filme Tropa de Elite, lançado em 2007, representou um passo nesse sentido. Em que pesem sua truculência e desvios de conduta, o personagem capitão Nascimento desnudou a hipocrisia do politicamente correto, que absolve o consumidor, livrando-o de sua responsabilidade social. Se não é possível – nem desejável – realizar vários Tropas de Elite por ano, é factível produzir programas televisivos que abordem a questão das drogas de maneira didática e abrangente. Recentemente, foi exibido na TV brasileira um documentário exemplar, protagonizado por um roqueiro inglês, ex-cocainômano. Ele veio à América do Sul para mostrar aos cidadãos de seu país como as baladas movidas a pó fortaleciam a narcoguerrilha colombiana.
Ao tratar dos dramas individuais causados pelas drogas, VEJA sempre procurou mostrar sua conexão com a tragédia maior engendrada pelo comércio de entorpecentes. Nesta edição, a revista volta ao tema em duas reportagens. A primeira revela a luta de Fábio Assunção, um dos mais queridos atores brasileiros, para livrar-se do vício em cocaína. A outra faz uma constatação apavorante: o crack, a mais perigosa das drogas, de uso antes restrito a miseráveis dos grandes centros, chegou à classe média e agora responde pela maioria das internações nas mais caras clínicas de reabilitação de viciados. VEJA continua, assim, a cumprir seu papel de conscientizar os leitores do poder maligno dessas substâncias ilícitas que cancelam existências, arranham biografias, degradam as cidades e comprometem o futuro de países inteiros. Essa é a verdadeira visão politicamente correta.