Vem aí, o baú da Cássia
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Vem aí, o baú da Cássia




Matéria extraída do jornal "O Globo" de domingo:

"Cássia Eller bate com força e cadência nas cordas do violão, preparando a entrada da letra, uma promessa desbocada e direta de uma grande transa ("Hoje pra você quero dar/ (...) Entra aqui dentro para comer seu jantar/ Sai, sai, vai e vem/ Com a faca ajeita e corta"). A potência rock-sexual, o humor sacana, a violência com doçura - características de seu canto que o fazem soar atual e vivo hoje, às vésperas dos dez anos de sua morte, no dia 29 de dezembro de 2001. A gravação em questão, que reafirma isso, é a inédita "Baby love", maior novidade de "Relicário - As canções que o Nando fez pra Cássia cantar", CD que chega às lojas amanhã e é o primeiro dos lançamentos da Universal em torno da data redonda.

- "Baby love" é da época da gravação do disco "Com você... meu mundo ficaria completo" - lembra Nando, produtor de "Relicário" com Felipe Cambraia. - Tinha feito uma canção intencionalmente com uma quase vulgaridade. Cássia e eu achávamos certa graça, mas o Leo Netto, empresário dela na época, vetou: "Essa música é muito vulgar". A versão que lançamos agora foi tirada de uma demo para o disco. E (nas gravações adicionadas à voz e ao violão originais de Cássia) tem o charme de ter a percussão de Chicão (filho da cantora).

O disco traz outras duas gravações nunca reveladas, duetos com Nando Reis, mas de canções já registradas na voz de Cássia - "Um tiro no coração" e "As coisas tão mais lindas", ambas tiradas de um show para um programa de rádio que tinha outras preciosidades, como ela cantando "Marvin". Os três aperitivos frescos do álbum, que deixam o desejo de mais, ao lado da chegada, em 22 de novembro, de uma caixa com nove CDs e um DVD de Cássia trazendo apenas material já lançado anteriormente sugerem a pergunta: o baú da cantora ainda guarda algo inédito que mereça ser conhecido? Filme, livros, DVD e CDs querem mostrar que a resposta é sim.

Há ao menos um tesouro nos arquivos. Em 2001, Cássia fez no Citibank Hall (na época, ATL Hall) uma rara apresentação de voz e violão, pelo projeto "A luz do solo". Cantou um repertório livre, que passava por canções de seus discos e de artistas como Beatles ("Eleanor Rigby"), Joni Mitchell ("Cherokee Louise"), Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown ("Doce do mar"), Vitor Ramil ("Espaço") e Caetano Veloso ("Diamante verdadeiro").

- Em "Diamante", ela brinca tentando imitar a Bethânia (que lançou a música), erra e volta ao início - lembra Ronaldo Villas, empresário de Cássia. - Ela relutou muito em fazer o show, não gostava de estar sozinha no palco. O show foi gravado em áudio e vídeo, por duas câmeras, uma fixa na mesa de som e outra na boca do palco.

A Universal já trabalha para fazer um DVD da apresentação - que teve seu áudio usado em duas faixas de "Dez de dezembro" ("All Star" e "Vila do Sossego"). Outro CD que a gravadora tem na mão é o "If six was nine - Victor Biglione e Cássia Eller in blues", pronto desde 1992. O disco nasceu de um projeto do guitarrista, que convidou a cantora a reler clássicos do blues (ou vertidos para) de Jimi Hendrix, Jimmy Page, Beatles, Willie Dixon e Duke Ellington.

- Convidei a Cássia depois de ouvir a introdução de "Por enquanto", com "I've got a feeling" - lembra Biglione.

A gravadora tem a intenção de lançá-lo, mas a chegada do CD às lojas parece distante. Amigos da cantora, como Villas, garantem que ela não gostava do resultado - e a família, que poderia autorizar o lançamento, tem respeitado isso.

- Ela não ficou satisfeita com o resultado de sua voz - conta a companheira de Cássia, Maria Eugênia Vieira.

Biglione contesta:

- Há vídeos do show no YouTube, ela está cantando bem, e você vê no rosto dela que está feliz.

Além das gravações inéditas, a Cássia não revelada pode estar em sua intimidade - abordada por dois livros em produção. Felipe Casqueira, sócio de Villas como empresário da cantora, escreve "Nua e crua", um livro que narra sua relação com ela, desde quando o convidou a trabalharem juntos até sua morte.

Nando propõe outra abordagem, mais poética. Ele prepara um livro - "vai sair um dia", garante - com as cartas que escreveu para Cássia e as histórias de cada música que compôs para ela. Seu projeto prevê um CD encartado, com fragmentos de gravações de shows, momentos da amizade (como ele ensinando "Meu mundo ficaria completo"), tudo extraído de fitas guardadas por ele e amigos. O CD "Relicário", lançado agora, era originalmente parte do projeto.

- "All star" fala "daquela conversa que não terminamos ontem" porque virávamos madrugadas em papos loucos, que não acabavam - lembra Nando. - Tenho uma conversa dessas gravada, ela entrará transcrita no livro. É algo que dá sentido ao pensamento da minha relação com ela. Outro verso é "Se o homem já pisou na Lua/ Como ainda não tenho seu endereço?". Porque eu não tinha mesmo, só sabia chegar lá. Levava as cartas a pé. Vai ser um livro lindo, todas as cartas são desenhadas. Estou em negociação com a Cosac Naify.

Na tentativa de iluminar a cantora, está previsto para chegar aos cinemas em 2012 (quando Cássia completaria 50 anos) o documentário "Cássia Eller", de Paulo Henrique Fontenelle.

- Estamos finalizando a pesquisa, faremos o roteiro entre janeiro e fevereiro, para estrear até junho - explica Carolina Castro, uma das produtoras do filme. - Temos coisas maravilhosas da pesquisa. Cenas dela no palco em Brasília (onde começou sua carreira) e fazendo teatro com (o ator) Marcelo Sabag. E muitas imagens dela em família, com quem estamos trabalhando de forma muito próxima.

Nando acredita que, independentemente do que haja no baú de Cássia, do que será lançado ou não, sempre haverá muito a se conhecer dela.

- O fato de ela ter morrido tão precocemente, num momento em que começava a expor a enorme extensão do seu gosto, deixou muita coisa a ser mostrada, em aberto - avalia o compositor. - A Cássia era muito mais do que ela mesma gravou. Vi Cássia tocar coisas que nunca foram gravadas, as mais variadas. Ela não teve tempo de revelar sua amplitude."






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