Veríssimo na quinta
Política

Veríssimo na quinta


No contexto


Luis Fernando Verissimo - O Estado de S.Paulo

Minha filha estava lendo uma história do Monteiro Lobato para a minha neta e parou quando chegou num trecho que falava na tia Nastácia. Hesitou, sem saber se lia o que estava escrito ou se exercia sua prerrogativa de leitora e mãe e pulava o trecho. Decidiu-se pela censura. Não me lembro se cheguei a ler Monteiro Lobato para meus filhos, mas tenho certeza de que não teria a mesma hesitação da Fernanda. Não me ocorreria que o texto era racista. Ou talvez ocorresse e eu o desculpasse, pois seria apenas um detalhe que em nada diminuía o imenso prazer de ler Monteiro Lobato. E escrito numa época em que o próprio autor não teria consciência de estar sendo ofensivo, ou menos que afetuoso com sua personagem. Entre os anos em que eu lia Lobato e hoje mudou tudo no mundo, inclusive o contexto em que o racismo, consciente ou não, é encarado. E não é preciso ir muito longe atrás de mudanças no contexto. Não faz tanto tempo assim que boa parte do humor na televisão brasileira era feito em cima de estereótipos caricatos de raças e minorias. O negro era sempre o "negrão" careteiro e não muito inteligente, o judeu era sempre um usurário atrás da prestação, o homossexual era sempre um grotesco. E era tudo inocente, baseado em preconceitos herdados e em hábitos culturais que ninguém questionava, já que era humor, não era por mal. Hoje, no contexto atual, está havendo reação das partes que se sentem afrontadas, o que é ótimo - quando não é exagerada. No caso do "racismo" do Monteiro Lobato, minha posição sobre como o autor deva continuar sendo leitura deliciada das crianças apesar dos trechos abomináveis é um decidido "Não sei". Fala-se que nas edições adotadas nas escolas conste uma explicação que coloque os termos repreensíveis no contexto. Não sei. O essencial é que não se prive nenhuma criança brasileira de ler Monteiro Lobato.



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