Política
VINICIUS TORRES FREIRE - O governo morde e assopra
Folha de S Paulo
No dia seguinte à alta do "juro do BC", governo deve anunciar mais crédito barato por meio do "juro do BNDES"
ESTÁ QUASE certo que o governo federal, via Tesouro da União, vai emprestar mais R$ 50 bilhões ao BNDES a juros baixinhos, dinheiro que o banco estatal de desenvolvimento emprestará a projetos de investimento de empresas.
Na mesma tacada, a equipe econômica do governo Dilma Rousseff vai aumentar as taxas de juros de uma linha de crédito, o Plano de Sustentação do Investimento (PSI).
O PSI foi lançado em julho de 2009, uma das medidas do governo do Lula 2 que tinham com objetivo aliviar a seca de crédito devido ao estouro final da crise financeira em 2008. Os juros do PSI vão subir três pontos percentuais.
O aumento dos juros, porém, não deve fazer quase coceira na procura por crédito do PSI. Em parte, o aumento apenas corrige a taxa real de juros, pois, desde que o programa foi lançado, as expectativas de inflação pularam mais de um ponto percentual. O resto, quase dois pontos percentuais, não deve afugentar a clientela do BNDES, que, aliás, já faz fila pelos novos empréstimos. O governo, enfim, quer só diminuir a conta do subsídio que dá ao dinheiro emprestado pelo BNDES.
Boa parte dos empréstimos do Tesouro para o BNDES alimenta os fundos do PSI. O bancão estatal já recebeu R$ 180 bilhões em empréstimos do Tesouro, desde 2009. O PSI emprestou uns R$ 120 bilhões.
As taxas de juros do PSI, ora entre 3,5% e 8%, são ainda menores que as taxas convencionais do BNDES para grandes empresas, em torno de 11%, 12%, as menores que as empresas brasileiras conseguem pegar, no mercado daqui ou de fora.
Agora, as taxas do PSI irão de 6,5% a 11%. O programa financia bens de capital (máquinas, veículos de transporte pesado, locomotivas e guindastes, por exemplo), inovação tecnológica e a produção de bens para exportação.
O PSI, o aumento do crédito nos bancos públicos comerciais, a diminuição dos dinheiros que os bancos têm de deixar parados no BC ("compulsórios") e o aumento de gastos públicos em geral foram vendidos em 2009 como meios de evitar uma recessão excessiva no Brasil. Deu certo. Até demais.
Quando o dinheiro do governo começou a entrar nos canos da economia, o país já saía da recessão. Decerto, em parte porque havia a expectativa de que o governo não deixaria a peteca cair. Isto é, as empresas não cortaram mais investimentos e não demitiram mais porque sabiam do impulso que o governo daria na economia.
Em 2010, a economia superaqueceu, a inflação subiu. No final do ano passado, o governo, via BC, enxugou dinheiro (aumentou compulsórios) e dificultou o crédito. O BC começou a elevar os juros. Até a equipe econômica de Dilma dizia, entre dezembro e janeiro, que seria preciso conter gastos públicos a fim de evitar mais inflação e, assim, evitar pauladas maiores nas taxas de juros do BC.
O governo anunciaria hoje as novidades do programa, que, em suma, aumenta a dívida pública, o gasto público e estimula a economia num período que deveria ser de ajuste. Isso um dia depois da decisão do BC sobre a nova taxa de juros "básica" da economia, a Selic. Três dias depois do anúncio da contenção de gastos federais, um corte meio fajuto, mas alguma coisa.
O governo morde e assopra.
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