Visão perversa Merval Pereira
Política

Visão perversa Merval Pereira


O GLOBO

Há um aspecto perverso nessa crise do livro didático de português, que o MEC insiste em manter em circulação, que ultrapassa qualquer medida do bom-senso de um governo, qualquer governo. A pretexto de defender a fala popular como alternativa válida à norma culta do português, o Ministério da Educação está estimulando os alunos brasileiros a cultivarem seus erros, que terão efeito direto na sua vida na sociedade e nos resultados de exames, nacionais e internacionais, que avaliam a situação de aprendizado dos alunos, debilitando mais ainda a competitividade do país.
O ministro Fernando Haddad, que já protagonizou diversas confusões administrativas, agora se cala diante dessa "pedagogia da ignorância" que apresenta aos alunos da rede pública a defesa de erros de português, como se fossem corretas ou aceitáveis expressões populares como "nós pega o peixe" ou "dois real". (Aliás, cada vez que escrevo essas frases, o corretor de texto teima em sublinhá-las em verde, como se estivessem erradas. Esse computador ainda não passou pelo crivo do MEC). Mas é o próprio MEC que veicula anúncios exaltando supostos avanços dos alunos brasileiros no Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos). O país registrou crescimento em todas as notas, embora continue muito abaixo da média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), e mesmo de alguns da América Latina.
Ora, se o próprio governo baliza sua atuação pela régua do Pisa, como justificar que a defesa de uma alternativa da fala correta seja uma política oficial do Estado brasileiro?
A professora Heloísa Ramos, autora do livro "Por uma vida melhor", da Coleção Viver, Aprender (Editora Global) acredita ser "importante que o falante de português domine as duas variantes e escolha a que julgar adequada à sua situação de fala". Seria preciso então que as escolas e faculdades ensinassem o português popular para os que foram alfabetizados pela norma culta, numa radicalização esdrúxula que esse raciocínio estimula. O caráter ideológico de certos livros didáticos utilizados pelo MEC, especialmente de história contemporânea, ganha assim uma nova vertente,mais danosa que a primeira, ou melhor , mais prejudicial para a vida do cidadão-aluno.
Enquanto distorções políticas que afetem posições pessoais do aluno podem ser revertidas no decorrer de sua vida, por outros conhecimentos e vivências, distorções didáticas afetam a perspectiva desse aluno, que permanecerá analfabeto, sem condições de melhorar de vida.
Fosse o livro uma obra de linguística da professora Heloísa Ramos, nada a opor quanto à sua existência, embora seus métodos e conclusões rasteiras do que seja preconceito contra a fala popular possam, sim, ser refutados como uma mera mistificação política. Se fosse um romance, não haveria problema algum em reproduzir a maneira de falar de uma região, ou os erros de português de um personagem. Mas o livro didático não pode aceitar como certo o erro de português. Didática, pelo dicionário (?) é "a arte de transmitir conhecimento, técnica de ensinar" ou "que proporciona instrução e informação". O fato de falarem de certa maneira em algumas regiões não quer dizer que este ou aquele linguajar represente o português correto.
A visão deturpada do que seja ensinar aparece na declaração de um assessor anônimo do MEC no GLOBO de ontem, alegando que não cabe ao ministério dizer "o que é certo eo que errado", e nem mesmo fazer aanálise do conteúdo dos livros didáticos. Se não exerce esses deveres básicos, o que faz o MEC em relação ao ensino do país?
Seria um equívoco lamentável e perigoso se o MEC, com essa postura, estivesse pretendendo fazer uma política a favor dos analfabetos, dos ignorantes, como se ela fosse a defesa dos que não tiveram condições de estudar . Na verdade, está é agravando as condições precárias do cidadão-aluno que busca na escola melhorar de vida, limitando, se não impossibilitando, que atinjam esse objetivo. Se, porém, a base da teoria for uma tentativa de querer justificar a maneira como o presidente Lula fala, aí então teremos um agravante ao ato criminoso de manter os estudantes na ignorância. Querer transformar um defeito, uma falha da educação formal do presidente-operário, em uma coisa meritória é um desserviço à população.
Os erros de português de Lula não têm mérito nenhum, ele os explora para fazer política, é um clássico do populismo, cuja consequência é deseducar a população.
Mas ele nunca teve a coragem de defender a fala errada, embora goste de ironizar palavras ou expressões que considera rebuscadas. Ele desvaloriza o estudo, com frases como "não sei por que estudou tanto, e eu fiz mais do que ele", ou quando se mostra como exemplo de que é possível subir na vida sem estudar . Mas em outras ocasiões, estimula que a universidade seja acessível a todos, numa atitude que parece paradoxal, mas que ganha coerência quando se analisam os objetivos políticos de cada uma das atitudes. Se, no entanto, o desdém pela norma culta do português transformou-se em política de Estado, aí teremos a certeza de termos chegado ao fundo do poço.
FONTE: O GLOBO



loading...

- No Melhor Estilo De Bom Humor...
...recebi e repasso: SER PROFESSORA DE PORTUGUÊS 01 - Professora de português não nasce; deriva-se. 02 - Professora de português não cresce; vive gradações. 03 - Professora de português não se movimenta; flexiona-se. 04 - Professora de português...

- A ''espertocracia'' Educacional GaudÊncio Torquato
O ESTADO DE SÃO PAULO - 22/05/11 Machado de Assis, mulato, gago e epilético, um dos mais ilustrados e respeitados cultores do idioma pátrio, conseguiu de modo exemplar unir o erudito ao popular. Em seus irretocáveis escritos, ensinava que a democracia...

- O Projeto 'politicamente Correto' De País
EDITORIAL  O Globo - 18/05/2011 É por si só assustador que o ministério denominado de Educação aprove um livro didático que admita erros de português, e se recuse a recolhê-lo. As entranhas desta história, porém, são até mais graves. A autora...

- Por Uma Vida Pior Dora Kramer
O ESTADO DE SÃO PAULO - 17/05/11O Ministério da Educação decidiu não tomar conhecimento da adoção em escolas públicas do livro Por uma Vida Melhor, que "ensina" a língua portuguesa com erros de português. Avalizou, quando autorizou...

- Se Pelo Menos Ensinassem Português Carlos Alberto Sardenberg
O Estado de S.Paulo - 16/05/11 Os brasileiros falam de muitos modos. Há alguns programas de rádio no Nordeste que são simplesmente incompreensíveis para os paulistas. Um linguajar gaúcho bem cantado soa difícil em Manaus. Mas, quando se trata...



Política








.