Política
Vítima ou não? Miriam Leitão
O GLOBO
O economista Joseph Stiglitz disse que o Brasil foi uma vítima inocente da crise. Muita gente discorda. O professor de economia da PUC Márcio Garcia acha, pelo contrário, que o Brasil se beneficiou do período de expansão da economia mundial. O analista da Gávea Investimentos, Armando Castelar, acrescenta que o Brasil poderia ter feito mais nesse período das vacas magras.
O Brasil não é culpado, no sentido de que ele não montou aqui, como lá fora, um sistema explosivo como o do subprime. Mas essa ideia de que fizemos tudo certo e fomos atingidos por uma fatalidade é uma visão superficial do que se passou. Eu já achava isso, mas fiquei mais convencida na entrevista com os professores de economia num programa da Globonews, que foi ao ar ontem à noite.
- Nós nos beneficiamos, aumentamos nossas exportações, os altos preços das commodities contribuíram para o período de prosperidade, com várias vantagens para a economia brasileira - disse Márcio Garcia.
- O Chile usou esse momento de vacas gordas e fez um enorme fundo, que está usando agora como política anticíclica - disse Armando Castelar, alertando que não tem comparação com o nosso fundo soberano, muito menor e feito na última hora.
Os dois lembraram também que não só o país foi beneficiário do boom, como desperdiçou esse momento não fazendo as reformas e mudanças necessárias para o momento difícil. Pelo contrário.
- O país aumentou os gastos correntes numa proporção duas vezes maior que o crescimento do PIB - lembrou Castelar.
Márcio Garcia disse que a fotografia é muito boa e, olhando só para ela, fica-se com a impressão de que o país aproveitou bem os bons tempos. A dívida pública, por exemplo, caiu para 36% do PIB, mas a tendência é de deterioração fiscal. Armando concorda que o país não tem folga fiscal.
- Os setores que estão caindo mais são grandes arrecadadores de impostos. Por isso, a tendência é a receita cair muito rapidamente - disse Castelar.
Sobre a queda dos juros, Márcio acha que o Banco Central poderia ter derrubado a Selic um pouco mais. Armando acha que o BC foi até ousado demais. Em outra conversa que tive ontem perguntei a dois outros analistas a avaliação sobre a decisão do Copom. Luiz Fernando Figueiredo, da Mauá Investimentos, acha que o Banco Central acertou perfeitamente na dose.
- Desde a divulgação da produção industrial de janeiro formou-se um consenso de que a queda seria de 1,5 ponto percentual. Tanto estava na medida que hoje a curva de juros nem mexeu. O Banco Central se mostrou flexível, e ao mesmo tempo mostrou que continua sendo o que sempre foi, tomando decisões com autonomia - diz Figueiredo, que já foi diretor do BC.
Luiz Carlos Mendonça de Barros acha que o risco maior agora é de um agravamento da crise internacional. Portanto, independentemente do que o Banco Central fizer, pode haver uma segunda rodada de piora externa que faça com que o crescimento zero do país seja o melhor cenário. Ele acha que pode haver uma sensação de melhora nos próximos dois meses, e depois um rebote da crise ainda mais desestabilizador.
- Quando eu calculo crescimento zero para o Brasil este ano eu estou imaginando um cenário em que o nível de atividade vai melhorando até estar crescendo a 3% no fim de 2009. Isso dará um crescimento zero, mas num ano em que a situação vai melhorando. Porém, se houver um agravamento da crise externa, nem isso o país vai conseguir - diz Luiz Carlos.
No programa da Globonews, Márcio Garcia disse que se houvesse imposição ao BC de um corte maior dos juros, seria um "desastre", e o país estaria começando a voltar aos tempos pré-real.
Armando acha que o país precisa da independência formal do BC, para que ele não fique sempre sob o risco de intervenção.
- Como Ulisses se amarrava nas pedras para não ouvir o canto da sereia, é preciso dar garantias institucionais ao Banco Central - disse Armando.
Márcio acredita que o mix de políticas para sair do atual ambiente recessivo seria mais redução de juros, política fiscal apertada, com corte de gastos de custeio, e aumento do investimento. Mas como dificilmente haverá corte de gastos, ele acha que o superávit primário vai ser reduzido e que o fundo soberano vai ser convocado para aumentar investimento. O que talvez o governo não consiga realizar, como não conseguiu no passado.
Armando deixou claro que quando critica o aumento dos gastos correntes não está falando das políticas de combate à pobreza extrema.
- O gasto com o Bolsa Família pode e deve aumentar. Ele é uma parcela pequena do gasto social brasileiro, que é 25% do PIB, mas a maior parte dele é destinada aos não pobres - disse.
Em resumo, o Brasil fez alguns movimentos corretos nos últimos anos, como acumular reservas, reduzir a dívida, aumentar o gasto com os mais pobres, mas, ao mesmo tempo, desperdiçou o melhor momento da economia mundial, não mudando estruturalmente seu gasto. Pelo contrário, aumentou exatamente as despesas públicas que não pode mudar.
- Não reconhecer um tempo de bonança é um erro grave - diz Castelar.
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