Warren Buffett: o último capitalista
Política

Warren Buffett: o último capitalista


Príncipe pelo preço de sapo

Onde todo mundo via problemas, ele enxergou
oportunidades. Warren Buffett não fez nada de novo. 
Foi assim que ele construiu sua fortuna


Giuliano Guandalini

Ben Baker/Redux
NA ETERNA CONTRAMÃO
Warren Buffett e sua receita para tornar-se uma lenda do capitalismo: "Seja audacioso quando 
os outros estiverem com medo e tenha medo quando os outros forem audaciosos"

Desde que a crise financeira se aprofundou, há um mês, investidores ao redor do mundo venderam seus ativos para recolher-se à segurança dos títulos americanos. Enquanto isso, a empresa de investimentos comandada pelo lendário investidor Warren Buffett, a Berkshire Hathaway, fez o caminho inverso: despejou 20 bilhões de dólares na compra de participação em grandes companhias do país. Buffett colocou 3 bilhões de dólares na General Electric (GE), um dos maiores conglomerados industriais do mundo. Esse investimento se soma aos 5 bilhões de dólares injetados no banco Goldman Sachs (ações pelas quais ele pagou metade do preço registrado um ano atrás) e a outros 5 bilhões aplicados na empresa de energia Constellation (com desconto de três quartos diante do valor no início do ano). Além dessas aquisições diretas, Buffett financiou 6,5 bilhões de dólares para a compra da Wrigley pela fabricante de chocolates Mars.

Buffett, em suma, foi às compras num dia frio e de chuva, enquanto os outros consumidores se esconderam sob os cobertores. Com isso, em dias de crédito escasso, tornou-se, ao lado do Federal Reserve, o banco central americano, um dos maiores emprestadores de última instância do capitalismo americano. Não será surpresa se, passada a turbulência, esses investimentos se mostrarem extremamente rentáveis. Foi justamente tirando proveito das pechinchas oferecidas em períodos de instabilidade financeira que Buffett construiu sua fortuna, multiplicou o dinheiro de seus acionistas e contribuiu para revigorar o capitalismo americano, ao longo de mais de cinco décadas dedicadas ao mercado financeiro. Valer-se do momento de pânico e de incongruências do mercado está na raiz de sua filosofia de investimentos. Buffett faz dinheiro, muito dinheiro, apostando contra a maré, encontrando companhias que possuem um valor intrínseco e que estejam depreciadas por fatores exógenos, conjunturais – Buffett diz gostar de "comprar príncipes pelo preço de sapos".

Foi essa estratégia que levou a Berkshire Hathaway a tornar-se sócia de alguns dos principais ícones da indústria americana, como a Coca-Cola e a Gillette. Buffett sente-se confortável negociando ações da economia real. Tecnologia não é com ele, apesar de sua amizade íntima com Bill Gates, o fundador da Microsoft. O investidor não caiu na euforia da internet, na década passada, e fugiu das ações da "nova economia". As empresas da internet eram algo novo demais e arriscado demais, na avaliação de Buffett. Quando a bolha da internet explodiu, em 2000, o investidor, que chegou a ser ridicularizado por ser "ultrapassado", acabou rindo por último. A Berkshire Hathaway saiu mais fortalecida do que nunca.

Buffett, hoje com 78 anos, ingressou no mundo dos negócios ainda criança. Segundo a biografia autorizada The Snowball: Warren Buffett and the Business of Life, escrita por Alice Schroeder e lançada nos Estados Unidos na semana passada, seus primeiros trocados vieram logo aos 6 anos de idade. O pequeno Warren comprava pacotes de bala e goma de mascar na loja de seu avô. Depois, em vez de devorá-los, revendia-os pelas ruas. As marcas de doce prediletas do garoto eram Juicy Fruit e Spearmint, produzidas justamente pela centenária fábrica Wrigley, cuja venda foi financiada por Buffett na semana passada.

O apreço pelo mundo das finanças também veio cedo. Seu pai trabalhava em um banco e seus tios tinham uma corretora de ações. Ainda criança, Buffett tentava identificar um padrão observando a oscilação do preço das ações no quadro pendurado no escritório de seus tios. Na adolescência, começou a ler manuais de como ganhar dinheiro na bolsa. Mas o livro que transformou definitivamente sua vida foi The Intelligent Investor, do investidor e professor da Universidade Colúmbia Benjamin Graham, lançado em 1949. Ali, pela primeira vez, Buffett vislumbrou um método coerente de ganhar dinheiro com ações. A leitura o estimulou a ir estudar em Colúmbia, onde foi admitido em 1950. Lá, teve aulas com Graham e David Dodd, outro grande investidor daquele período. Buffett chegou a trabalhar em Nova York com seus mestres, mas seu sucesso veio mesmo quando retornou para a sua Omaha natal, no estado de Nebraska, onde vive até hoje – e com uma rotina para lá de simples para o homem mais rico do mundo.

Frasista inspirado, Buffett é o autor de tiradas que fazem parte do anedotário da crise atual. Alguns anos atrás, quando o mundo ainda vendia euforia, soltou ele: "Só saberemos quem está sem roupas quando a maré baixar". Touché. Em 2003, Buffett, em carta aos acionistas, alertou para o risco do crescimento de investimentos em derivativos (instrumentos financeiros destinados a dissipar riscos, mas que foram usados de maneira imprópria e alavancaram a bolha que acaba de estourar). "Uma grande quantidade de risco foi concentrada nas mãos de relativamente poucos vendedores de contratos de derivativos, o que pode desencadear graves problemas sistêmicos", afirmou. E sentenciou: "Derivativos são armas financeiras de destruição em massa". Touché mais uma vez, e mais uma vez o investidor saiu maior de uma crise do que quando entrou nela.

Remar contra a maré em pleno tsunami não é para qualquer um. Os poucos que o fazem – com a competência de Buffett, é claro – são sobejamente recompensados.




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