O GLOBO - 07/12
O benefício da assistência social original era concedido em média por dez anos, e hoje é por 18 anos
Completo hoje a série de artigos com propostas de reforma da previdência e da assistência social. Minha experiência é que em ano de eleições presidenciais ou a caminho dele, o espaço para tratar dessas questões racionalmente se estreita muito. Daí ter optado por expor essa agenda dois anos antes da próxima eleição nacional, procurando evitar que corações e mentes sejam dominados pela emoção extrema que marca esses processos.
Nos encontros anteriores, tratei da necessidade de adotar regras mais duras de aposentadoria para as futuras gerações, da importância de uma regra de transição para quem está na ativa, da idade de aposentadoria, das normas para a aposentadoria feminina, do número de anos de contribuição, das pensões, da aposentadoria rural, do caso dos professores e do valor do benefício assistencial. Hoje vou abordar, por último, o tema da idade de concessão do benefício assistencial.
O economista John K. Galbraith tinha uma boa sentença para explicar a dificuldade para fazer escolhas no terreno das decisões de política. Ele dizia que "a política consiste em escolher entre o desagradável e o desastroso". Neste caso a frase envolveria certo exagero, mas retrata o tipo de "escolha de Sofia" enfrentada pelo governante. Basicamente, o dilema está em optar entre medidas vistas como impopulares — melhorando a gestão das contas públicas — ou continuar agindo com paternalismo, ao custo de prejudicar as perspectivas fiscais futuras.
Considerem-se os seguintes fatos:
I: A despesa com benefícios da Lei Orgânica da Assistência Social (Loas) foi de R$ 1 bilhão em 1997. Quinze anos depois, está em R$ 30 bilhões.
II: Quando a Loas surgiu (Lei 8.742/1993), o artigo 20 definia a necessidade de instituir o benefício assistencial a partir dos 70 anos. O artigo 1 da Lei 9.720/98 reduziu o parâmetro para 67 anos e o artigo 34 da Lei 10.741/2003 ("Estatuto do Idoso") para 65 anos.
III: A expectativa de vida do brasileiro aos 70 anos era em média de mais 10 anos de vida em 1993 com as informações de que se dispunha na época, e é de mais 14 anos atualmente (e de mais 18 anos para quem tem 65 anos).
Em outras palavras, a expectativa de vida do brasileiro de 70 anos, ao longo desses quase 20 anos desde a aprovação da Lei, aumentou em 4 anos. Enquanto isso, a idade de concessão de benefício diminuiu 5 anos no mesmo período. Resultado: o benefício original era concedido em média por 10 anos e hoje é concedido por 18.
Ao mesmo tempo, fez-se uma mistura indevida entre as idades de aposentadoria e de concessão do benefício assistencial. Por que um indivíduo vai contribuir para o INSS sobre o benefício básico se, mesmo sem contribuição, aos 65 anos vai receber exatamente o mesmo valor e à mesma idade que receberia se contribuísse?
A sugestão que aqui faço é propor uma lei — para aprovar ano que vem — pela qual a idade de concessão do benefício assistencial seria elevada para adaptar o país às futuras mudanças demográficas, na escala de 6 meses por ano, ao longo de um período de 10 anos. Assim, começando dos atuais 65 anos em 2013, a exigência de idade passaria para 65 anos e 6 meses em 2014, 66 anos em 2015 e assim sucessivamente, até os 70 anos. Consequentemente, em 2023 a Loas seria concedida à mesma idade prevista... em 1993! Ou seja, estamos falando em conservar o mesmo requisito de idade existente 30 anos antes, em um período em que as transformações da composição etária do país estão sendo significativas.
A demagogia que impregna o debate sobre tais questões tende a rotular como manifestações de insensibilidade tecnocrática o que não passa da expressão do mais elementar bom-senso. O princípio do benefício assistencial é meritório, indica a existência de uma sociedade solidária e deve ser preservado. O que deve ser discutido é o parâmetro de idade a partir do qual ele é concedido. Note-se que os constituintes de 1988 escreveram na Constituição que a assistência social tem como objetivo a garantia de um salário mínimo ao idoso que comprove não possuir meios de prover à própria manutenção (Artigo 203), mas tiveram a sabedoria de não engessar nela a idade à qual isso ocorreria. Nada mais natural, portanto, que adaptar a Lei às mudanças demográficas em curso.