A VITÓRIA de Barack Obama é a derrota simbólica das idéias de Samuel Huntington, cientista político americano influente em círculos conservadores. Huntington lançou, nos anos 90, a tese do "choque de civilizações", segundo a qual, no mundo pós-Guerra Fria, o "outro", eventual inimigo, seria definido não por sua ideologia, mas por sua cultura. Seu último livro, de 2004, é um corolário dessa tese e sustenta que os imigrantes de origem latino-americana, para ele poucos afeitos à disciplina, eram uma ameaça à identidade dos Estados Unidos. Com mais de 52% dos votos, Obama teve a maior votação proporcional de um candidato democrata à Presidência desde Lyndon Johnson, em 1964. Na eleição seguinte, em 1968, Richard Nixon derrotou um Partido Democrata dividido evocando a "maioria silenciosa" -branca, sulista e socialmente conservadora- que a partir dali formaria a base do Partido Republicano em sua conquista da hegemonia ideológica. A vitória de Barack Obama deve muito, óbvio, à debacle de George W. Bush, começando pelo militarismo sem fim da "guerra ao terror" -ancorada, em sua concepção, na idéia do choque entre o Ocidente anglo-saxão e o islã- e desembocando na falência da crença nos mercados auto-regulados e nas políticas que privilegiam o topo da pirâmide econômica. Mas os EUA já eram um país dividido ao meio quando Bush, ainda beneficiado pela onda de medo pós-11 de Setembro, venceu o democrata John Kerry, em 2004, por 50,7% a 48,3%. Só que os democratas haviam se rendido a lugares-comuns do conservadorismo e não tinham nem mensagem nem estratégia para inverter esse placar em seu benefício. O pulo-do-gato de Obama foi explorar a nova demografia americana, em que os americanos "autênticos", idealizados por gente como Huntington, deixavam de ser maioria e os jovens andavam descrentes da política. Descrito pela campanha republicana como o "outro" exótico, elitista, terrorista e socialista, ele ganhou o impulso para a vitória com os votos dos eleitores de até 30 anos, dos negros e dos latinos. Com programa vago como os de candidatos majoritários em qualquer parte, é impossível prever se Obama conseguirá, em tempos de crise, manter unida a base que o elegeu. É improvável, por outro lado, que sob seu comando o país atenda de bom grado às expectativas mundiais por um multilateralismo de fato, que não se resuma à recomposição da parceria histórica entre EUA e Europa. Barack Obama não é o messias que se supõe que parte de seus eleitores imagina. Mas é um político que teve a ousadia de desafiar fatalismos. |