Anti-elitismo como arma Merval Pereira
Política

Anti-elitismo como arma Merval Pereira


NOVA YORK. A entrada em cena da suburbana Sarah Palin fez com que a campanha presidencial dos republicanos reforçasse uma tática que historicamente vem sendo eficaz para o partido, a de carimbar os candidatos democratas de elitistas, colocando-se na posição de defensores dos cidadãos comuns. Mesmo que na prática o programa de cada partido seja a negação dessa tese, com Bush reduzindo os impostos dos mais ricos e Obama querendo taxá-los mais para reduzir os dos pobres e, sobretudo, que McCain seja filho de uma família tradicional de militares e tenha casado com uma milionária e Obama um afro-descendente filho de mãe solteira que lutou contra dificuldades para estudar, o “cosmopolitismo” do candidato democrata é alvo de ataques até mesmo do ex-prefeito de Nova York Rudolph Giuliani, uma das cidades mais cosmopolitas do mundo, se não a mais

Ao mesmo tempo, o candidato democrata já enfrentou na campanha ataques racistas, como quando foi classificado pelo apresentador John McLaughlin, que comanda um talk-show político muito visto na televisão, como um “Oreo”, uma maneira pejorativa de se referir a um negro, que seria preto por fora e branco por dentro, como o biscoito de chocolate recheado de creme popular nos Estados Unidos.

No Brasil, seria o mesmo que chamá-lo de “dominó”.

Obama é criticado por sua maneira de andar, por seu físico esguio, até mesmo por sua maneira de falar, que traduziria toda a sofisticação de sua formação em Harvard, onde foi o primeiro negro a presidir a revista da Faculdade de Direito.

O professor de História da Universidade de Boston Bruce J. Schulman lembra que, embora essa tática tenha sido aperfeiçoada por Richard Nixon em sua campanha presidencial vitoriosa em 1968, o anti-elitismo sempre foi uma arma política de ambos os partidos, a começar no século XIX, quando Andrew Jackson, que criou a dissidência republicana de onde nasceu o partido democrata, um general próspero dono de escravos, tornou-se um político influente como defensor dos despossuídos, marcando a política americana com o anti-elitismo.

O Brahmin de Boston John Quincy Adams foi derrotado por ele em 1828. Brahmins, a mais alta classe do sistema de castas indiano, é como os estudantes de Yale e Harvard descendentes das famílias wasps (brancos, anglo-saxões e protestantes) são conhecidos.

Intelectualmente sofisticados e politicamente progressistas, esses estudantes formam uma verdadeira casta, onde dinheiro não é o mais importante.

O professor de História da Universidade de Boston Bruce J. Schulman destaca que ninguém seria mais vulnerável às acusações de esnobismo do que o democrata Franklin Delano Roosevelt, descendente de aristocratas que foi criado por tutores e freqüentou uma das mais elitistas escolas americanas, a Groton.

Considerado por muitos o maior presidente dos Estados Unidos, assumiu o governo em 1933 com o país arrasado por uma crise econômica que tivera início com a quebra de 1929 e liderou o país durante a Segunda Guerra Mundial.

O único presidente eleito quatro vezes seguidas — morreu no último mandato e provocou a emenda constitucional que impede a reeleição indefinida — Roosevelt denunciava seus companheiros de elite: “Nunca as forças do egoísmo estiveram tão unidas quanto estão agora contra um candidato. Eles são unânimes no seu ódio a mim. Eles odeiam Roosevelt, e eu saúdo o seu ódio”.

Mais ou menos o que McCain fez no discurso em St.

Paul: “Aos preguiçosos, egoístas, que pensam primeiro em si e não na pátria, aos indolentes, um aviso, a mudança está chegando em Washington”.

Quatro dos últimos seis presidentes americanos (George H.W. Bush, George W. Bush, Bill Clinton and Gerald R. Ford) são, como Barack Obama, oriundos de universidades de elite como Yale ou Harvard.

Tanto o pai quanto o atual presidente George W. Bush mantiveram uma postura de texanos rudes, apesar da fortuna.

George pai derrotou assim Michael Dukakis, um filho de imigrantes, e George W. Bush derrotou Al Gore e John Kerry, este último um legítimo Brahmin de Yale, a quem Bush atribuía uma atitude arrogante em relação a ele, a mesma que os colegas estudantes tinham na universidade, onde os Brahmins valorizam mais o preparo cultural do que o dinheiro.

Os dois têm raízes na Nova Inglaterra, mas, enquanto Kerry costumava passar férias na casa dos avós, numa cidade do norte da França, Bush nunca havia saído dos Estados Unidos antes de ser presidente.

Também Nixon tinha problemas com a elite intelectual, que julgava que “torcia o nariz” para os valores do cidadão comum americano. Quase a mesma acusação que Sarah Palin fez genericamente aos democratas, que “olhariam de cima para baixo” os prefeitos de pequenas cidades, como ela.

Nixon, em 1968, assumiu a defesa da “maioria silenciosa” da América profunda, que ele chamava de “os esquecidos”, uma classe média branca atormentada, como hoje, pelos tempos difíceis e tumultuados.

Assim como os republicanos hoje acusam a mídia de ser elitista e de tratar Sarah Palin com machismo, Nixon e o vice Spiro Agnew classificavam seus críticos de “inúteis nababos do negativismo” e os intelectuais de “esnobes insolentes”.

O professor de Harvard Samuel Huntington — que se diz orgulhosamente descendente de doze gerações wasps — fala que a elite americana está se desnacionalizando para se internacionalizar, e por isso já não consegue representar a média da opinião pública americana, que definitivamente não é cosmopolita.

Na eleição de 2004, George Bush aproveitou-se da fama de “europeu” de John Kerry para dizer, em um dos debates, que não se preocupava com o que o resto do mundo, ou mais especificamente a Europa, pensasse sobre suas atitudes, pois olhava primeiro os interesses dos Estados Unidos.

Nesta campanha, a viagem ao exterior de Barack Obama provocou a mesma reação dos republicanos, especialmente seu já célebre discurso para uma multidão em Berlim.



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