Thomaz Favaro
Loic Venance/AFP |
De férias na Tailândia, Mitterrand adquiriu o prazer de "pagar por garotos": o relato está em sua autobiografia |
A notícia da iminente extradição da Suíça para os Estados Unidos do diretor polonês Roman Polanski, réu confesso do abuso sexual de uma menina de 13 anos, causou previsível alarido na França. Os americanos foram acusados de atentar contra a liberdade de expressão ao buscar a prisão do cineasta – que nasceu em Paris – e de ser indiferentes ao talento brilhante de Polanski. Até o ministro de Relações Exteriores, Bernard Kouchner, e o presidente Nicolas Sarkozy expressaram desagrado, ainda que em linguagem diplomática, com a atitude da Justiça americana. Nenhum deles foi tão estridente quanto o ministro da Cultura, Frédéric Mitterrand: "É chocante. Há uma América generosa que nós respeitamos, mas também existe uma América que nos assusta, e é esta que nos mostra sua face". Na semana passada, em uma reviravolta rocambolesca, Mitterrand foi obrigado a defender-se de acusações parecidas, mas ainda mais pesadas do que as que existem contra Polanski.
O motivo é o livro A Má Vida, em que Mitterrand, gay assumido, narra em primeira pessoa suas aventurais sexuais nos bordéis da Tailândia. "Pode-se comprar um ou dois garotos, ou até mais, sem nenhuma objeção, pois a resposta é sempre: ‘Eu te quero feliz’." Publicado em 2005, o livro vendeu 200 000 cópias e foi lido até pelo presidente Sarkozy, que o definiu como uma obra "corajosa e de talento". Mas quando trechos ("Eu adquiri o costume de pagar por garotos", "Esses rituais de feira de rapazes, de mercado de escravos me excitam demais") foram lidos na TV por Marine Le Pen, filha e herdeira política do ultranacionalista Jean-Marie, as confissões de pedofilia quase lhe custaram o emprego. Até políticos da esquerda – Frédéric é sobrinho do falecido presidente François Mitterrand, ícone dos socialistas – pediram sua cabeça.
Instado a defender-se em público, Mitterrand admitiu ter praticado turismo sexual (atividade que a França oficialmente condena), mas passou a dizer que os garotos de programa eram maiores de idade, no máximo cinco anos mais novos que ele, que tem 62 anos. Disse também que o livro é uma mistura de autobiografia com ficção, "uma maneira de contar uma vida que parece a minha, mas também a de várias outras pessoas". Por ter o apoio do presidente Sarkozy – e da primeira-dama Carla Bruni, que o indicou para o cargo há quatro meses –, Mitterrand deve continuar no governo. Mas agora os franceses sabem que, quando o ministro sai de férias, "a moral ocidental, a culpa de sempre, a vergonha que eu carrego explodem pelos ares; e que o mundo caminhe para a perdição".