Auto-retrato Sonny Rollins
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Auto-retrato Sonny Rollins



O saxofonista de 78 anos é um dos mais importantes da história do jazz. Foi ícone do hard bop – vertente que misturou jazz com blues e gospel – e tocou ao lado de nomes como Miles Davis e John Coltrane. A pouco mais de um mês de sua vinda ao Brasil para apresentar-se num festival, Rollins falou ao repórter Sérgio Martins sobre Sonny, Please, seu primeiro disco de estúdio em cinco anos, sobre a morte de sua mulher e a rivalidade entre jazzistas.

Por que o senhor interrompeu sua carreira por dois anos?
Por causa da morte de minha mulher, Lucille, em 2004. Fomos casados por quarenta anos. Ela era tudo para mim. Era minha empresária e, como sabia tocar bem piano, dava palpites na produção dos meus discos. Quando Lucille morreu, eu me recolhi para absorver a perda.

O último disco de estúdio a homenageia?
O título do disco, Sonny, Please, era uma das frases prediletas de Lucille. Era a maneira de ela encerrar as nossas brigas: "Faça o favor, Sonny!". Como você pode imaginar, ela sempre ganhava as discussões. Houve um momento em que pensei em batizar o disco de Oh, Susanna, porque faço referência a essa canção na maioria dos solos de saxofone do disco. Mas, no fim das contas, venceu o desejo de homenagear Lucille.

Ainda é possível a inovação no jazz?
Alguns músicos, como o trompetista Wynton Marsalis, acham que o gênero perdeu sua capacidade de inovar na década de 70. Jamais aceitarei essa tese. As misturas que ocorreram no jazz depois daquela década foram, sim, benéficas e inovadoras. Além disso, o jazz é uma fonte perene de inspiração para artistas dos mais diversos gêneros. O hip hop, por exemplo, trabalha com um elemento jazzístico essencial, a improvisação. Só concordo numa coisa com Marsalis: o espaço para o jazz é cada vez menor.

Por que o jazz perdeu popularidade?
As cantoras de jazz não têm do que reclamar, elas estão a toda hora na imprensa. Mas para pessoas como eu, que trabalham com música instrumental, o espaço é cada vez menor. É curioso perceber que em certas emissoras de rádio da Europa você ouve uma canção de Charlie Parker logo após um concerto de Beethoven. Já nos Estados Unidos, berço do jazz, é raro encontrar uma estação de rádio que tenha pelo menos um programa dedicado ao jazz.

O jazz é mesmo um dos gêneros em que os instrumentistas cultivam as maiores rivalidades?
Sim, todas as histórias sobre competição entre artistas que tocam o mesmo instrumento são verdadeiras. Eu mesmo, quando encontro um rival no sax, me esforço em dobro para superá-lo. Mas, de vez em quando, acontecem milagres. Em 1956, gravei Tenor Madness ao lado de John Coltrane. Nós nos demos incrivelmente bem. O fato de ele ser meu fã, e de ter dedicado uma música a mim, certamente ajudou bastante. Mas nós também compartilhávamos o gosto por religiões. Passamos horas falando sobre meditação, trocamos livros. Até hoje mantenho essa chama mística acesa. Faço ioga e sou membro da Ordem Rosacruz.

O senhor presenciou os atentados do dia 11 de setembro. Como foi a experiência?
Eu morava num apartamento a seis quadras do World Trade Center. Não vi os atentados, mas ouvi o choque dos aviões contra os prédios e os gritos da multidão. Quatro dias depois da tragédia, eu me apresentei em Boston. A princípio, não queria entrar no palco – estava desconcentrado e tenso. Lucille insistiu para que eu me apresentasse porque sabia que a música conforta as pessoas. Como sempre, ela tinha razão. É curioso lembrar que logo após os atentados o comportamento dos nova-iorquinos mudou. A proximidade com a morte os tornou mais suaves. Pena que a gentileza durou pouco tempo.




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