Como o Brasil vai celebrar os cinquenta anos de
Kind of Blue, obra-prima de Miles Davis – e um dos
discos mais perfeitos da história da música popular
Sérgio Martins
Divulgação |
IMPROVISAÇÃO E MELODIA Miles Davis, ao lado do baixista Paul Chambers e do pianista Bill Evans, durante as gravações de Kind of Blue |
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Em 1958, o baterista Jimmy Cobb estava em sua casa em Nova York quando recebeu um telefonema de Miles Davis. "Você quer fazer parte do meu grupo? Estamos em Boston e tocamos daqui a três horas", perguntou o trompetista. Cobb bem que tentou explicar que Boston ficava a 350 quilômetros de distância de Nova York e que ele gastaria mais de três horas só para chegar ao local da apresentação. Mas, diante da ordem de Davis, preferiu jogar sua bateria dentro do táxi, rumar para o aeroporto e chegar a tempo de tocar Round Midnight, a canção que abria o show. Integrado ao conjunto de Davis, um ano mais tarde ele participaria das gravações de Kind of Blue, o disco mais célebre da história do jazz – e um dos mais sublimes da música popular. É de Cobb, aliás, a frase que melhor define a atmosfera do álbum, para gerações de leigos e especialistas igualmente apaixo-nados: "Ele foi feito no céu". O baterista, que completou 80 anos na semana passada, é o último remanescente do grupo que gravou Kind of Blue. Nos dias 14 e 15 de maio, ele e os integrantes da So What Band, formada por discípulos de Davis, deverão tocar em São Paulo o repertório que, em 2009, completa cinquenta anos. Antes disso, edições comemorativas do álbum chegarão às lojas brasileiras. "As composições de Kind of Blue são de um momento especial, quando cada um de nós queria mudar os rumos da música", disse o baterista em entrevista a VEJA.
Gravado nos dias 2 de março e 22 de abril de 1959 em Nova York, numa antiga igreja armênia transformada em estúdio, Kind of Blue é para muitos a melhor expressão do jazz – pois nele se unem melodia e improvisação. Pouco antes, o jazz havia sido chacoalhado pela ventania do bebop, um estilo que buscava ousados saltos de oitavas e notas inesperadas. Pouco mais tarde, com o advento do free jazz, os músicos abraçariam a cacofonia. Kind of Blue foi um exercício de "jazz modal", no qual os solistas improvisavam sem jamais perder de vista a linha melódica e a harmonia. Além de Davis e Cobb, participaram da gravação os pianistas Bill Evans e Wynton Kelly, os saxofonistas John Coltrane e Julian "Cannonball" Adderley e o baixista Paul Chambers, todos supremamente entrosados. Quase todas as músicas foram gravadas numa única tomada. "Miles adorava quando improvisávamos. A única ordem que ele me deu foi para que fizesse a bateria flutuar em Blue in Green", diz Cobb.
Estima-se que Kind of Blue já tenha vendido 5 milhões de unidades no mundo inteiro. Mais importante que a vendagem, contudo, é a sua influência. Tornou-se a bíblia de grandes nomes do jazz, como o maestro Quincy Jones, que certa vez declarou: "Eu ouço Kind of Blue todo dia. É o suco de laranja do meu café-da-manhã". No rock, Carlos Santana e Duane Allman, dois gênios da guitarra, desenvolveram seu estilo de improvisação graças às composições de Davis, e Rick Wright, tecladista do Pink Floyd, "surrupiou" temas desse disco clássico em The Dark Side of the Moon. Talvez a melhor definição do impacto causado pelo disco seja a de Herbie Hancock, outro pupilo de Davis: "Quem é tocado por essa música muda para sempre. E se torna melhor do que é".