E a democracia, pá?
Política

E a democracia, pá?




Têm sido naturalmente muitas as questões que se têm levantado a propósito da vinda da troika. Vêm cá para ajudar a recuperação económica ou apenas para garantir que pagamos aos credores? E qual o grau de sucesso deste tipo de intervenção? No entanto, para lá destas questões naturalmente importantes, está a passar relativamente incólume o facto de estar a ser exigido a um país a poucas semanas de eleições um compromisso definitivo sobre as políticas que adoptará como contrapartida ao empréstimo. Rejeita-se assim ao novo governo a capacidade de governar o país, de tomar opções e de definir rumos políticos. Ou seja, age-se como se umas eleições legislativas fossem um pormenor ou uma formalidade institucional. E se tivermos em conta que a troika não é constituída apenas pelos mauzões do FMI e do BCE, mas também por representantes da Comissão Europeia, percebe-se um pouco melhor a gravidade desta situação.

A bem dizer, Passos Coelho e Cavaco Silva chamaram desde logo a atenção para esta situação. Sugeriram um empréstimo intercalar antes das eleições que permitiria uma nova negociação após as mesmas. No entanto, tal hipótese foi considerada ridícula pela vasta maioria dos seus opositores, presumindo que o Presidente e o líder do PSD apenas reclamaram tal solução a pensar no interesse que tal cenário teria para o partido laranja. Ou seja, pensado tratar-se de uma simples tentativa de desresponsabilização do PSD, contribui-se para branquear um cenário que constitui practicamente um atropelo democrático.

O episódio dos programas eleitorais dos dois principais partidos, que fez correr alguma tinta durante a última semana, demonstra bem a situação paradoxal em que se caiu. Por um lado, temos um programa eleitoral do PS que, segundo muitos, é pouco mais de uma reedição do programa apresentado em 2009 (altura em que se garantia que a economia nacional estava a entrar em retoma e que o investimento público era a chave da solução). Apresenta-se portanto um programa que parece ignorar o acordo em que o PS está envolvido. Do outro lado, temos a praticamente a um mês das eleições, o maior partido da oposição ainda sem programa. E se por um lado o argumento de estar a aguardar o plano de resgate a Portugal até faz algum sentido, é difícil justificar que se é a principal alternativa ao actual governo sem se ter ainda um programa que o demonstre com clareza.

Existem, portanto, paradoxos para todos os gostos reflectindo uma situação de grave perda de soberania política do país como um todo. Questão esta agravada por uma perversão evidente deste tipo de intervenção externa, que é aliás um dos traços que a melhor distingue do conceito de ajuda: é que os países que “beneficiam” deste tipo de intervenção não são livres de encontrar os mecanismos adequados para cumprir os seus compromissos. Pelo contrário, os credores exigem uma série de medidas internas que, a pretexto de serem uma salvaguarda para que a situação não se repita, já demonstraram inúmeras vezes adoecer ainda mais o doente.

Chegamos assim a um ponto em que os Portugueses irão às urnas e os três partidos do arco da governação apresentam alternativas políticas limitadíssimas. É certo que a fraca distinção político-ideológica das forças do centro político em Portugal é algo academicamente demonstrado. Mas desta vez tal fenómeno é literalmente imposto, por um conjunto de entidades externas, a poucas semanas de um acto eleitoral. Um atropelo democrático cuja gravidade simbólica e real parece estar a incomodar pouco a intelligentsia nacional.


Artigo publicado hoje no Açoriano Oriental

(Imagem: Placas Esmaltadas)



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