Valor Econômico - 25/05/2011 |
O rei está morto; longa vida à rainha. Dominique Strauss-Kahn, o francês outrora diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI) nem havia renunciado e os europeus já começavam a se reunir em torno de Christine Lagarde, ministra das Finanças da França. Morreram as promessas passadas de um processo de escolha aberto. Os europeus insistem no princípio nós temos, nós mantemos. O "ancien régime" sobrevive. Lagarde é uma candidata perfeitamente respeitável. É francesa, o que frequentemente parece ser quase exigência para o chefe europeu de instituições internacionais. É mulher, certamente uma vantagem, ainda mais quando o antecessor enfrenta acusações de tentativa de estupro. Foi presidente do conselho de administração da Baker & McKenzie, famosa banca de advocacia dos Estados Unidos, e fala inglês com fluência. É uma pessoa que impressiona e é extremamente agradável, mas não uma candidata perfeita: sua parte econômica é limitada. Caso se tornasse líder da organização, teria de depender da assessoria dos que a rodeiam. Se assumisse o cargo, seria essencial que o substituto de John Lipsky, o americano que é primeiro vice-diretor-gerente do FMI e deixa o posto em agosto, fosse um economista de primeira categoria. Escrevo como se ela fosse ganhar o cargo. Estou bem certo quanto a isso. Atualmente, a União Europeia (UE) ainda tem 32% dos votos e os EUA, 16,7%. Se o país apoiar a UE, como suspeito que fará, os europeus não terão dificuldade em conseguir os votos adicionais de países que dependem deles. Por que os EUA deverão voltar a apoiar os europeus? Um motivo é que os EUA ainda não desistiram do velho acordo, que lhes dá controle permanente da presidência do Banco Mundial. De fato, os americanos provavelmente dizem a si mesmos que é quase nula a chance de conseguir qualquer dinheiro do Congresso americano para os programas do Banco Mundial (acima de tudo, para seu braço de empréstimos, a Associação Internacional de Desenvolvimento), se o chefe da instituição não for americano. Para ser justo com os europeus, a emergência do FMI durante a atual crise como, na prática, um fundo monetário europeu confere uma premência compreensível a seu desejo de controle sobre uma instituição que desempenhou papel vital de catalisador na resposta às crises não apenas na Europa Ocidental e na periferia ao leste, mas dentro da própria região do euro. Em abril de 2011, 79,5% dos créditos a pagar concedidos pelo FMI eram de países europeus, sendo 52,9% na parte oriental do continente e 26,6% na ocidental. A reação dos críticos dos europeus é uma condenação ruidosa: alguém achou, perguntam, que o chefe do FMI tinha de ser asiático para lidar com a crise na Ásia no fim dos anos 90 ou latino-americano, com as crises da região nos 80 e 90? É claro que não. Então, por que seria necessário um europeu para limpar a bagunça que os europeus fizeram agora? O argumento tradicionalmente apresentado por países avançados é que seus cidadãos devem comandar as organizações internacionais porque são relativamente competentes. O desarranjo atual da Europa, ressaltam os críticos, refuta essa proposição. O argumento dos europeus é, em minha visão, mais forte do que os críticos admitiriam. A região do euro é uma construção muito especial (e, em minha opinião, muito perigosa). Quando o FMI empresta à Grécia, Irlanda ou Portugal, afeta diretamente a estabilidade financeira e monetária de todos os outros membros da região do euro. É quase como se estivesse resgatando, por exemplo, a Califórnia de um calote iminente. É compreensível, acredito, que líderes de países poderosos como Alemanha e França queiram ter confiança total na administração de uma instituição que desempenha função tão vital para eles. De fato, foi por esse motivo que pensei inicialmente que o FMI nem deveria estar envolvido dentro da região do euro: subverteria, no fim das contas, a própria independência do FMI. Embora ache que o argumento europeu tenha certa força, não tem a força suficiente. O contra-argumento é que seria de interesse dos europeus receber assessoria independente e imparcial do FMI. Isso, Strauss-Khan não podia dar. Lagarde também não será independente. Mas alguém terá de fazer os europeus admitirem que uma reestruturação de dívida quase certamente será necessária e, tendo isso em vista, seria melhor consertar os sistemas financeiros diretamente, em vez de indiretamente, emprestando para governos muito possivelmente insolventes. No cômputo geral, então, não acho que a crise atual tenha tornado definitivos os argumentos por um chefe europeu para o FMI. É preciso reconhecer, então, as enormes vantagens em termos de efetividade e legitimidade mundial, não apenas para o FMI, mas para a ordem das instituições multilaterais, de fazer uma transição para uma seleção global aberta para o novo chefe do FMI. É necessário admitir-se que a posição dos antigos países avançados e da Europa, em particular, na economia mundial vem decaindo rapidamente. De acordo com as próprias estatísticas do FMI, a participação da UE na produção mundial, pela paridade do poder de compra, encolherá de 25% em 2000 para 18% em 2015 - um ritmo de queda com rapidez assombrosa. A UE continua com representação excessiva no FMI: mesmo depois de toda a revisão dos pesos nas votações, a Holanda tem 1,76% dos votos, enquanto a Índia, 2,62%. O melhor caminho, acredito, seria encarregar uma comissão de seleção de alto nível. Os candidatos também deveriam apresentar seus programas para o futuro do FMI: há muitas questões à frente, incluindo a reforma monetária mundial. Depois, deveriam ser escolhidos pelos membros por seus méritos. Os critérios, contudo, deveriam ser muito mais do que tecnocráticos. Compreender as ciências econômicas é, de fato, importante. Capacidade política comprovada, rigor e experiência bem-sucedida como autoridade monetária de alto nível também o são. A pessoa selecionada deveria estar disposta a assumir os riscos de liderar. Nesse aspecto, Strauss-Kahn se destacou. Não excluiria um europeu, como alguns a quem respeito o fariam. Mas chegou a hora de que as potências vigentes reconheçam que não podem continuar dominando a cena global. Se persistirem no comando dessas instituições, as potências em ascensão vão, inevitavelmente, afastar-se inteiramente delas, para criar substitutas que possam controlar. Isso provocaria a balcanização da administração da economia mundial, o que não seria verdadeiramente vantajoso para ninguém no longo prazo. Os regimes que não se curvarem aos ventos da mudança podem ser varridos por sua força. Os europeus precisam reconhecer a tempo essa verdade. Não o farão. Isso provará ser um grande erro. Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT. |