Preocupada com as fortes quedas das vendas de veículos e autopeças para a Argentina, a indústria automobilística do Brasil está pressionando o governo Dilma para que aceite um novo arranjo que implique a liquidação de operações comerciais com a Argentina, feita não mais em dólares, mas com moeda local. Ou seja, os brasileiros aceitariam pagamento em pesos e os argentinos, em reais - assim como é indiferente a americanos e europeus pagar seus compromissos em dólares ou em euros. O projeto leva a rubrica de Operação Salvamento.
Trata-se de um disparate de enormes proporções, alimentado com alto grau de ingenuidade por autoridades do Ministério do Desenvolvimento. A probabilidade de que seja firmado parece próxima de zero por cento.
Essa conversa é velha de guerra. A escassez de moeda estrangeira nos dois países é recorrente. Lá pelas tantas sempre aparece alguém falando em moeda instituída exclusivamente para liquidar compromissos recíprocos. Em 1987, por exemplo, o presidente José Sarney chegou a assinar um protocolo de intenções com o então presidente da Argentina, Raúl Alfonsín, que previa a criação de uma moeda comum. Até um nome oficial tinha a criatura: gaúcho.
Nunca rolou e não vai ser agora que vai rolar. Começa pelo problema de que a moeda comum não serviria para exercer uma das principais funções clássicas de qualquer moeda, a de unidade de medida. Embora pudessem ser liquidadas em moedas nacionais, exportações e importações entre os dois países continuariam sendo dimensionadas em dólares.
O comércio entre ambos os países é superavitário para o Brasil, como mostra o gráfico. Isso significa que, uma vez aceita a esquisitice, e feita a compensação entre contas, o Brasil teria de morrer com um mico em pesos.
O acerto só funcionaria se os bancos centrais garantissem a conversibilidade para dólares do saldo comercial em moeda local. A partir do momento em que essa ideia fosse sacramentada, o banco central superavitário, no caso o Banco Central do Brasil, seria obrigado a amontoar pesos argentinos em suas reservas, adquiridos do exportador brasileiro e pagos com dólares verdadeiros.
O problema não pararia aí. Depois do megacalote da dívida externa argentina, em 2001, credores do mundo inteiro vêm se compensando das perdas por meio de sequestros autorizados por tribunais, como o que ocorreu com o veleiro escola Libertad, retido no Porto de Tema, Gana, em 2012. A partir do momento em que fosse obrigado a dar conversibilidade automática de pesos argentinos para dólares, o Banco Central do Brasil ficaria vulnerável a decisões judiciais de sequestro de valores contra a Argentina.
No primeiro bimestre deste ano, as exportações do Brasil para a Argentina caíram 12%. O principal obstáculo são as travas às importações impostas pelo governo da Argentina. Mas o verdadeiro problema é a séria escassez de moeda estrangeira no país de los hermanos.
Se quiser uma solução para perdas de exportações para a Argentina (em 2013, 8% do total), a indústria automobilística e o governo brasileiro teriam de procurar a tal salvação em outras religiões.