Heróis da Classe Operária
Política

Heróis da Classe Operária


"abster-se é quando eu digo: isto não me atingiu a mim. Resistência é quando eu me asseguro que aquilo que não me atingiu a mim, não venha jamais a acontecer"

Ulrike Marie Meinhof

Nasceu a 7 de Outubro de 1934 em Oldenburgo e morreu a 19 de Maio de 1976 em Stuttgart na Alemanha. Foi uma militante da chamada extrema esquerda europeia tendo iniciado a sua carreira profissional como jornalista. Foi uma das fundadoras da facção radical do Exército Vermelho da Alemanha que ficou depois conhecido por Baader-Meinhof. Até ser detida, encarcerada e assassinada usava habitualmente os pseudónimos “Anna” e “Ranna”. Meinhof estudou filosofia, pedagogia e sociologia na Universidade de Marburg em 1955/6. Em 1957 muda-se continuando os estudos na Universidade de Münster, onde nesse ano lectivo se encontra com Manuel Sacristán (quem depois da sua morte traduziria e editaria os seus escritos) e passa a fazer parte do Movimento de Estudantes Socialistas (Sozialistischer Deutschen Studentenbund).
Foi militante do movimento internacional anti-nuclear no seu país apoiando essas teses como redactora da revista de esquerda radical Konkret. Em 1961 casou-se com o comunista Klaus Rainer Röhl, tendo duas filhas gémeas, Bettina e Regine, em Setembro de 1962. Divorciada em 1968, uniu-se então a grupos de esquerda mais radical em Berlim Ocidental. Em 1970 em virtude da ineficácia dos meios correntes de luta usados pela esquerda alemã ajuda Andreas Baader a fugir da prisão participando depois em assaltos a bancos como forma de angariar fundos para atentados bombistas contra fábricas de armamento e bases militares americanas.
A imprensa alemã catalogou rapidamente o grupo com o nome publicitário “Baader-Meinhof” e os serviços secretos trataram ainda mais rapidamente de incentivar as suas acções por forma a desacreditar e diabolizar como funestas todas as lutas dos grupos radicais de esquerda na Europa junto da maioria das populações. Meinhof escreveu muitos ensaios e manifestos, enunciando o conceito de guerrilha urbana e utilizando-o no combate ao que chamou da exploração do homem comum sujeito ao imperialismo do sistema capitalista.
Capturada em 1972 em Langenhagen foi condenada em audiências preliminares a 8 anos de prisão preventiva. Enquanto não se efectuava o julgamento definitivo, em que o procurador pedia prisão perpétua para Ulrike, encontraram-na morta na cela no dia 9 de Maio de 1976. (O dia de aniversário da derrota nazi na Segunda Guerra), enforcada e pendurada no tecto. Os indícios de execução sumária foram tapados pelos meios de desinformação massiva que falaram de suicidio. Os seus advogados negaram a versão oficial, porém não puderam conseguir que houvesse julgamento.

Ulrike Meinhof é recordada 30 anos depois por Peter O. Chotjewitz que foi advogado de Andreas Baader nos processos que decorreram na Republica Federal Alemã:

“Trinta anos depois da sua morte violenta em 9 de Maio, as imagens são tão imponentes como no primeiro dia. Sobretudo as publicadas. A primeira placa de detenção, a primeira foto depois de presa, a imagem final de icone temerário. 1970, 1972, 1976; o número de anos assinalam que a ascenção da panfletária Ulrike Meinhof, de estrela intelectual do periodo estudantil a ícone da moral politica e dos direitos humanos, se verificou num breve periodo da sua vida, o último. O que se passou antes e o que aconteceu durante as acções da fracção armada do Exército Vermelho [RAF, Rote Armee Fraktion] permanece em tudo eclipsado. Poderia conferir plausibilidade indesejável ao seu último e arriscado passo. A posteridade reduziu a personagem praticamente a um papel de Joana d`Arc da resistência contra o Leviatan, o omnipotente super-monstro Estado. Elevaram-na ao Olimpo dos eleitos dispostos a morrer pelas suas convicções, como os santos Sócrates, Giordano Bruno (1540), Jan Hus e Michel Kolhas, a quem se fizeram justiciar na roda de tortura por serem pertubadores da ordem pública; dando-lhes razão depois do seu tempo.
Jovens ávidas de instrução politica básica colocadas perante as campanhas anti-globalização, a maioria todavia em idade escolar, devoram livros que falam de Ulrike, não importa que pouco tenham de verídico. Não foi por mero acaso que uma sua biografia muito lida que foi grande sucesso de vendas fosse publicada pela Beltz & Gelberg, uma editora juvenil. O lixo com que autores mercenários a soldo de gigantescos aparelhos de Estado a reportaram desde Maio de 1970, concretamente desde o tiroteio do Instituto Otto Suhr em Berlim Ocidental, não impediu de forma alguma a sua conversão numa figura luminosa, à qual até historiadores ultraconservadores (integrantes do complot de assassinos) como o sionista Joaquin Fest lhe renderam respeitosa homenagem. O Exército Vermelho (RAF) foi derrotado, porém não passou a imperar a Paz. As suas análises e objectivos pragmáticos, que podem ser relidos nos manifestos escritos pela sua mão, continuam a viver numa espécie de purgatório. É a única opção que o Estado dispõem para se proteger de um perigo adormecido. Se tais documentos fossem divulgados de forma massiva o Estado teria de se deixar de entender a si próprio como um auxiliar da plutocracia, para se converter num elemento validador consequente e eficaz das necessidades das classes baixas do seu próprio povo submetido ao controlo tenaz assim como aos povos explorados noutros Estados e nos continentes pobres.

A comoção provocada pela morte de Ulrike Meinhof em 1976 provocou arrebatadas manifestações por todo o território da República Federal da Alemanha. Em Frankfurt, onde houve uma convocatória em frente à Casa dos Estudantes, houve confrontos com as forças da Ordem pública. Em Stuttgart numa cidade sublevada incendiaram-se camiões da policia. No “suicidio” anunciado pelas autoridades poucos acreditaram; e isso teve relação com as confrontações. No tribunal de Stuttgart, que devia julgar 5 quadros do RAF, já se havia perdido um acusado, Holger Meins, a quem deixaram morrer de inanição em Novembro de 1974 em Wittlich. Os restantes três acusados morreriam igualmente dezassete meses depois na penitenciária de Stuttgart-Stammheim em circunstâncias nunca esclarecidas, de forma que nenhum dos julgamentos chegou a realizar-se. Foi sobretudo no momento da detenção que morreram a maior parte destes militantes inimigos do Estado, procurados com tão fervoroso ardor. Na maior parte dos casos foram executados de imediato, ainda que não fossem portadores de armas, desarmados, simples corpos caídos por terra. Tal facto alertou as opiniões públicas de que havia ordens superiores de não fazer prisioneiros. Werner Sauber (1) foi executado em 9 de Maio de 1975 num estacionamento em Colónia estendido indefeso sobre o asfalto, um ano antes de Ulrike Meinhof. O médico Karl-Heinz Roth sentado num automóvel junto dele caiu ferido com extrema gravidade. O terceiro, Roland Otto escapou ileso. Quando Otto e Roth foram absolvidos ainda ouviram dos policias: “deveriamos ter liquidado também os outros dois” A lista é enorme, desde Rauch e Weißbecker, até Grams, passando por Stoll e Van Dick. Todos executados em situações que não justificavam o uso policial de armas de fogo. Não há desculpa moral nem juridica para isso, por muito que os funcionários tenham propensão para o gatilho fácil, acusando os adversários disso mesmo, por temer pela sua própria vida e estabilidade.

No restante, as dúvidas sobre o caso Meinhof foram alimentadas pelo relatório da Comissão Investigadora internacional (publicado pela editora Maspero de Paris) que em 1978 dizia isto: “a afirmação das autoridades estatais, segundo a qual Ulrike Meinhof se matou a si mesma enforcando-se, não está provada. Os resultados das investigações permitem antes e melhor concluir que Ulrike Meinhof não podia ter-se enforcado por sua própria mão
Ulrike Meinhof já era evidentemente uma celebridade antes de fundar junto com outros militantes a fracção Exército Vermelho, que se entendia a si mesma como o braço armado da resistência anti-imperialista e à qual se poderia chamar de leninista. Era notável a fascinação com que se liam as suas colunas na revista Konkret publicada pela editora Klaus Wagenbach, em cuja página web de hoje, pequena ignorância sinal dos tempos, se diz agora que Ulrike morreu em 1972. Eram artigos escritos desde 1955 na onda da APO (a oposição extra-parlamentar) que desempenhavam um certo papel analitico que desencadeavam polémicas, que todavia lidos hoje são absolutamente legiveis e actuais. Mostram a amplitude do seu compromisso social e politico. São sobre temas nacionais como a permanência em lugares de destaque de velhos nazis, as leis de excepção e emergência que agravam as condições sociais, ou a pobreza, ainda sobre politica internacional, o imperialismo, as lutas de libertação no terceiro mundo, a influência do exemplo guevarista na tricontinental, a guerra na Indochina, os protestos estudantis nos Estados Unidos.
Tudo coisas que o ano passado a sua filha Bettina Röhl, num inqualificável livro de revelações, pode vender de barato como sensacionalismo; e eram mais que sabidas pelos admiradores de Meinhof. Que simpatizava com o proibido KPD (o Partido Comunista da Alemanha ilegalizado pelo governo do judeu Adenauer em 1956), com a União Soviética e com a RDA, embora sempre de forma crítica. Que graças ao movimento contra a guerra nuclear e as marchas dos anos 50 se conseguiu impôr uma ideia que tinha as suas raizes nas tradições humanistas do Ocidente, com uma óbvia componente cristã. Que a sua insólita rigidez ética provinha da sua relação com Renate Riemeck que desde 1960 era o acomodado figurão de proa do Movimento para a Paz na Alemanha, bem menos politicamente relevante.

A opção pela luta armada começou no principio do Verão de 1970 e foi sem dúvida interpretada por muitos como uma ruptura vista com incompreensão. Estava porém dentro da lógica da oposição extra-parlamentar não actuar apenas por ataques verbais os excessos e efeitos da ordem social capitalista pós-fascista. Na bibliografia que lhe é dedicada, a separação do seu marido, o abandono da aconchegada existência pequeno-burguesa no bairro de alta sociedade de Elbchausee de Hamburgo e a sua mudança para Berlim Ocidental não são interpretados de um modo suficientemente claro como reacção ao espirito do tempo. O certo é que, como se via desde o 2 de Junho de 1967 – o dia em que as autoridades de Berlim reprimiram brutalmente uma manifestação diante da Ópera e deixaram que fosse executada uma estudante, com a finalidade de gerar uma escalada – que estava na ordem do dia o projecto de atacar directamente, como baluarte do imperialismo, o Estado e os seus obscenos representantes, de radicalizar a resistência mediante a propaganda por meio de factos. Ulrike Meinhof deixou a casa e o seu séquito quatro dias antes da Conferência Internacional contra os Crimes de Guerra dos Norte-americanos na Indochina, que começou em Berlim Ocidental a 17 de Fevereiro de 1968. A declaração final, que culminou com uma grande manifestação, pode ser lida hoje como uma chamada a que se passásse definitivamente à sublevação. Pedia-se abertamente e sem pruridos a colaboração politica e organizativa com os movimentos revolucionários de libertação e a criação de uma Frente Unida de Resistência nos Estados Unidos e nos paises da Europa Ocidental. Inimigo a abater: o imperialismo norte-americano e o seu peão de brega europeu. Objectivo: a Revolução Socialista Mundial.

Apenas dois meses depois ardiam os grandes armazens comerciais em Francfurt, um acontecimento que foi geralmente celebrado como a cerimónia fundacional do Exército Vermelho Alemão (RAF), porque empurrou os protagonistas para a ilegalidade, ainda que os danos tenham sido muito limitados. Ulrike Meinhof dedicou ao incêndio uma resenha que foi entendida por uma boa parte da esquerda como um convite a continuar trabalhando nessa linha. Talvez os redactores da resolução final da Conferência sobre o Vietname não tivessem dado âs palavras o sentido profético que outros lhe inferiram. Ou talvez se retractassem de imediato, à vista do que se havia organizado, e foram paralizados pelo medo face à sua própria coragem em relação com o que se tinha escrito. O facto é que Meinhof e os demais fundadores do RAF sempre tiveram como boa a esperança de que a sua luta lhes traria simpatias e apoios para se vencer por meios legais – ninguém hoje fala disso – da concepção como uma organização de massas, apenas um grupo de quadros como pontas de lança capazes de agudizar as contradições politicas e ampliar as margens de manobra da oposição legal. A tragédia dessa organização é que nenhum dos partidos burgueses se dispôs a aproveitar tais possibilidades, criando-se uma mudança que gerou a dessolidarização no futuro imediato (o aliciamento dos serviços secretos sob a capa da Operação Gládio) que inclusivamente chegou a incluir o bem intencionado conselho de Heinrich Böll: “devem aceitar um salvo-conduto para o exilio de Ulrike Meinhof “

As condições de encarceramento a que foi exposta Ulrike Meinhof a partir de 1972 eram homicidas. Na penitenciária de Colónia-Ossendorf a prisioneira chegou a estar por três vezes em isolamento total – a primeira imediatamente logo após a sua detenção e durante 237 dias. Sobre as consequências psiquicas e fisicas deste tipo de tortura escreveu um ensaio comovedor, que agora é uma importante peça da história da literatura. O objectivo dessas numerosas humilhações era claro e ela declarou-o abertamente: quebrar a personalidade. Pretendia-se devolver à opinião pública um objecto distanciado da sua biografia politica e estimular os seus companheiros na clandestinidade a abandonar uma luta desigual. Com alguns deu resultado. Contra os principais acusados que não cederam houve que adoptar medidas mais extremas. Outros ainda, como Christian Klar e Birgit Hogefeld, que não se deixaram instrumentalizar, continuam emparedados. Porém o que se discutia – e o autor desta biografia representava legalmente Andreas Baader – em cada visita ao sétimo andar da penitenciária de Stammheim, não era tanto as condições de encarceramento, que diga-se de passagem quando o perigo passou, se relaxaram um pouco em comparação com o inicio do processo, embora nunca se tivesse abandonado o isolamento em pequenissimos grupos. Um tema imprtante era a deterioração da situação politica: tornava-se cada vez mais precária a solidariedade com os presos, que regredia. Se no Verão de 1972 os objectivos e métodos do RAF ainda despertavam simpatias em amplos sectores da população, depois da morte de Holger Meins e da execução do presidente da Audiência de Berlim Günter von Drenkmann em finais de 1974, desmoronou-se inclusivamente a disposição para um compromisso para uma melhoria das condições de detenção.

Existem cartas da prisão, dirigidas a personalidades conhecidas, que mostram como os presos se sentiam crescentemente abandonados à sua sorte, até cairem completamente inertes. Que a acutilante vontade subversiva dos finais dos anos 60 se trocara por cobardia e resignação? Esse é um tema que dará para milhares de outras biografias, desde a Itália das Brigadas Vermelhas até ao derrotado Portugal de Abril. O colapso europeu tem a ver com a campanha mediática de ódio e criminalização contra toda a esquerda que tinha optado por um distanciamento profiláctico em relação aos cães de guarda partidários do regime. Quando Ulrike Meinhof morreu, assistimos a um último acto de encobrimento para a opinião pública, ocultando o facto de que havia uma prestigiada intelectual que era uma das grandes esperanças do activismo de esquerda em lingua alemã. Para além disso, depois dos atentados de 1977, também o grosso da “esquerda” institucional se alegrou que os quadros mais populares do Exército Vermelho Alemão estivessem finalmente mortos
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