Incerteza no Fundo MIRIAM LEITÃO
Política

Incerteza no Fundo MIRIAM LEITÃO


O GLOBO - 17/05/11
O Fundo Monetário pode aproveitar a enorme crise que se abate sobre o órgão neste momento e mudar uma regra totalmente desatualizada: a que divide o poder nas duas instituições financeiras mais importantes do mundo entre Estados Unidos e Europa. Mas neste momento, o FMI está paralisado diante do caso de Dominique Strauss-Kahn. O FMI soltou uma nota ontem dizendo que vai "monitorar" os fatos.

Atingido pelo mais rumoroso escândalo sexual de que se tem notícia nas instituições financeiras multilaterais, dificilmente DSK, como é conhecido na França, se recupera a tempo de continuar liderando o FMI. Seu melhor cenário é reconstruir sua reputação em tempo para participar das eleições francesas de abril do ano que vem, mas há pouquíssima chance de que o faça. Ontem ele tentava contestar a acusação confrontando dados de saída do hotel com o da acusação da camareira que o aponta como sendo a pessoa que o atacou num dos quartos de um hotel em Nova York. De qualquer maneira, o Fundo precisa enfrentar com agilidade seus problemas e está com uma grave crise na direção.

Ontem os Estados Unidos dirigiam os gêmeos de Bretton Woods: o Fundo Monetário Internacional estava sendo comandando pelo primeiro vice-diretor-gerente, John Lipsky; o Banco Mundial continuava sendo presidido por Robert Zoellick. Nunca antes na história daquelas sexagenárias instituições ambas foram comandadas pelo mesmo país. Lipsky não ficará porque é um nome fraco, é americano, e já tinha avisado que sairia da instituição em agosto.

A oportunidade de renovação era deixar de ser da Europa o direito de escolher o comandante do FMI, como tem sido desde que ele foi criado. O problema é que a Europa hoje é a região do planeta que mais precisa do Fundo. Ontem mesmo foi aprovada uma ajuda de 78 bilhões a Portugal, sendo que um terço disso virá do FMI. É a terceira vez em quatro décadas que o Fundo empresta dinheiro aos portugueses. A Grécia também precisará de renovação do seu empréstimo, que já representa metade do seu PIB, e mesmo assim não é suficiente para tirar o país do risco do calote. A Irlanda foi socorrida recentemente, e um agravamento da crise na região poderia trazer problemas à Espanha e à Itália. Diante da falta de entendimento entre os líderes da Zona do Euro sobre como resolver esse problemas de dívida soberana, a atuação do FMI vem sendo fundamental.

Logo que o escândalo estourou e passado o primeiro espanto, o FMI começou a articular sua sucessão. Dominique Strauss-Kahn foi importante para o Fundo, mas já criou problemas suficientes, como quando a instituição ficou prisioneira do debate sobre seu caso de abuso de poder sobre uma funcionária com a qual teve um relacionamento amoroso. Na crise de 2008, DSK foi fundamental. Apesar de não ter tido uma ação preventiva, nos primeiros momentos fez parte do grupo de bombeiros que atuou para apagar as labaredas que ameaçaram o sistema financeiro internacional. Após isso, seu discurso socialista criticando o excesso de ganhos dos banqueiros, a falta de regulamentação, e a preocupação com o meio ambiente e combate à pobreza estava começando a mudar a imagem do FMI. Recentemente, eu o entrevistei, quando ele veio falar com a presidente Dilma, e o tom de suas respostas não tinha nada a ver com o vetusto FMI do passado. Por outro lado, a implementação de velhas propostas de dar mais poder aos países emergentes como China, Brasil, Índia ajudou a atualizar a estrutura de governança do Fundo. Mas nada disso o sustenta no cargo diante de um caso tão rumoroso. A instituição precisa de agilidade de decisão para ajudar a enfrentar os seguidos tremores da Europa. Nisso, DSK estava sendo perfeito.

A Europa necessitada como está não aceitará perder os privilégios que os países ricos se deram no pós-guerra. Mas nunca ficou tão desatualizada essa divisão absurda de poder, esse jogo de cartas marcadas. Se fosse um representante do mundo em desenvolvimento ou dos emergentes, um dos nomes poderia ser o de Kemmal Dervis, da Turquia. Ontem à noite circulavam vários nomes nos jornais europeus: o ex-primeiro-ministro Gordon Brown, e Christine Lagarde, ministra das Finanças da França. Stanley Fischer, presidente do Banco Central de Israel, que já foi o segundo do Fundo, representando os Estados Unidos; Sri Sridhar presidente do Banco Central da Índia; e o presidente do Banco Central do México, Agustin Carstens.

As condições dadas aos europeus problemáticos têm sido bastante questionadas pelos países emergentes, que não tiveram os mesmos privilégios quando foram ajudados pelo Fundo. Portugal, por exemplo, ganhou ontem mais um ano para atingir a meta de 3% de déficit fiscal, que agora só acontecerá em 2013. Então a indicação de um nome emergente pode ser visto pelos europeus como uma ameaça aos seus interesses. Além disso, politicamente um europeu poderia ter mais habilidade para costurar acordos. Então, mesmo que seja longe do ideal, o mais provável é que um nome da própria Europa seja indicado para o cargo.

A pior perda de DSK é a eleição para a presidência da França, cujo cenário ficou totalmente incerto depois desse espantoso episódio. Ele já vinha minando sua forte popularidade com gastos extravagantes demais para um socialista. Caso extraconjugal a França aceitaria, um ataque sexual é diferente. O PS estava ontem totalmente rachado e os adversários comemorando o fato de que o primeiro nome em todas as pesquisas parece agora jogado para fora do ringue. Em política é assim: de repente um fato totalmente inesperado embaralha as cartas. É o que acaba de acontecer na França. O presidente Nicolas Sarkozy e a candidata de ultradireita Marine Le Pen é que têm a ganhar.



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