Merval Pereira -Cartas na mesa
Política

Merval Pereira -Cartas na mesa



O Globo - 09/02/2010
 

O presidente Lula já conseguiu uma primeira vitória na campanha presidencial, estabelecendo o enfrentamento direto entre o seu governo e o do ex-presidente Fernando Henrique. Ficou inescapável o plebiscito, a não ser que a campanha da senadora Marina Silva, ou uma eventual participação de Ciro Gomes, quebrem essa lógica que está colocada nas pesquisas de opinião

Não dá mais para separar os dois principais candidatos dos governos a que pertenceram.

Resta ao PSDB a tarefa de desconstruir certas afirmações de Lula, mostrando que são ou mentirosas ou fantasiosas. Há um vasto campo a explorar contra o autoritarismo do governo Lula, a esquerdização de certos setores do governo, que tende a aumentar num eventual mandato de Dilma Rousseff o aparelhamento do Estado, trazendo-lhe ineficiência.

E também convencer o eleitorado de que o seu candidato é mais bem preparado do que a candidata oficial para levar adiante um projeto de país que vem dando certo até agora.

Nesse ponto, entrará a parte boa da campanha, na opinião dos tucanos, isto é, a comparação não entre Lula e FH, mas entre Serra e Dilma.

O currículo do governador de São Paulo é forte o suficiente para levar vantagem contra o da candidata oficial.

E as comparações entre os dois períodos de governo não são tão favoráveis a Lula que impeçam uma disputa.

Alguns exemplos: no governo Lula, a redução da pobreza foi de 43% de 2003 a 2008, enquanto, no governo Fernando Henrique, ela foi de 18% com o Plano Real. E o aumento real do salário mínimo foi praticamente igual nos dois governos.

A média de crescimento do PIB dos oito anos do governo Fernando Henrique foi de 2,5%, enquanto a do governo Lula, em seu sétimo ano, está em torno de 3,5%, dependendo do número de 2009, que deve ser zero ou negativo.

E deve ficar nesse patamar, sempre abaixo da média do crescimento mundial, com o agravante de que os primeiros anos do governo Lula, antes da crise internacional, foram os mais prósperos do mundo nos últimos tempos.

Não é difícil uma boa campanha de propaganda mostrar a importância dos números na era FH, quando o mundo passou por diversas crises internacionais enquanto o Brasil tentava sair da hiperinflação e organizar sua economia.

O único político da oposição que tem coragem de enfrentar Lula é o ex-presidente Fernando Henrique, talvez porque já derrotou Lula duas vezes no primeiro turno, ou porque não tenha que disputar votos agora.

E certamente porque é o alvo preferencial de Lula nesses seus sete anos e pouco de governo. Toda vez que fala, Fernando Henrique provoca uma reação intensa do governo, e esse debate é bom para a democracia.

O PSDB tem que assumir esse debate sem vergonha de defender um governo que foi um marco importante no desenvolvimento do país.

Se, ao final das contas, o eleitorado achar que a ministra Dilma Rousseff é a melhor candidata para dar continuidade a esse processo de desenvolvimento que o país vem experimentando há 15, 20 anos, então ela será eleita.

O que o PSDB tem que lutar é para convencer o eleitorado de que os avanços de Lula, ao contrário do que ele bravateia, fazem parte de um processo que ele não interrompeu, ao contrário, aprofundou e aperfeiçoou em alguns aspectos.

O que o PSDB não pode é repetir 2002 e 2006, quando os candidatos, tanto Serra quanto Geraldo Alckmin, tentaram se distanciar do governo de Fernando Henrique Cardoso. Desse jeito não há como ganhar a eleição.

De um lado teremos uma candidata que tem orgulho do governo ao qual pertence, e de outro poderemos ter um candidato que tem medo de defender o governo a que pertenceu, e que foi um governo importantíssimo para o país.

Tem razão a ministra Dilma Rousseff quando diz que comparar os dois governos é importante para mostrar qual o caminho que cada candidato pretende seguir no futuro.

Mesmo que não pretendesse, o PSDB vai ter que entrar na campanha disposto a defender o governo Fernando Henrique, mesmo porque o ex-presidente já demonstrou que estará a postos para defender seu legado, mesmo que essa atitude seja considerada desaconselhável como estratégia política.

O ex-presidente Fernando Henrique está disposto a defender sua biografia, mesmo que o partido possa ser prejudicado eleitoralmente.

O que ele pode fazer para não prejudicar ele faz, como, por exemplo, aceitar que o documentário sobre sua cruzada a favor da descriminalização do uso de drogas leves, como a maconha, seja adiado para o próximo ano, para evitar eventuais utilizações eleitorais pelos adversários.

O polêmico assunto, que Fernando Henrique abraçou convencido de que o mundo está no caminho errado ao tentar combater o tráfico de drogas com a repressão policial, como na Lei Seca contra as bebidas alcoólicas nos anos 1930 nos Estados Unidos, já lhe valeu o reconhecimento como um dos cem mais influentes pensadores do mundo atual pela revista Foreign Policy.

Transformar Dilma na marionete de Lula, como fez ontem Fernando Henrique, pode ser um bom começo para mostrar que ela não tem condições de substituir o presidente mais popular do país nos últimos tempos.

Apesar do empenho de Lula, haverá sempre, no decorrer da campanha, espaço para que os candidatos meçam seus conhecimentos e demonstrem sua capacidade de liderança, seja nos debates televisivos, seja em aparecimentos isolados.

A candidata oficial será colocada em exposição pública e ficará claro para o eleitorado se ela é ou não uma simples boneca do ventríloquo Lula.

Se assim for identificada, como parece pretender o PSDB, dificilmente passará a confiança necessária para ser a presidente.

A não ser, é claro, que o que o eleitorado queira seja justamente isso, um terceiro mandato para Lula através de Dilma.




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